28/09/2022 às 17h43min - Atualizada em 29/09/2022 às 00h01min

A busca da infelicidade

Marco Antonio Spinelli*

SALA DA NOTÍCIA Vervi Assessoria

Um psiquiatra budista que eu muito gosto, Mark Epstein, citou num de seus livros uma história do Mulá Nasrudin, um personagem da tradição oral do Oriente Médio:

Um homem encontra o sábio Mulá Nasrudin e nota que ele está vertendo lágrimas sem parar. Alarmado, percebe que o homem estava chorando porque comia pimentas. Pergunta, atônito: mas por que você está comendo essas pimentas, Mulá? O mulá respondeu: Estou procurando uma pimenta que seja doce.

Mark interpreta essa história paradoxal como uma metáfora da nossa busca incessante pelo prazer: quanto mais buscamos o prazer, mais encontramos a dor. Temos hoje uma compreensão mais clara e mais científica deste paradoxo: as áreas de processamento de prazer e dor no Sistema Nervoso estão muito próximas ou estão exatamente na mesma região. Freud também falou sobre a proximidade das sensações de dor e prazer e quase apanhou na sua época. Mas é só olhar em volta para percebermos que nossa civilização hedonista, onde a busca incessante de prazeres de todos os tipos é estimulada, propagada e vendida em todas as mídias, qual o resultado que colhemos?

Gastamos muito tempo atrás desses sonhos de consumo: quando tivermos o carro dos sonhos, o salário bacana, a vida igual às fotos do Instagram, aí serei identificado como sendo alguém de sucesso, a ser admirado/invejado. Se for identificado como fraco ou perdedor, estou excluído do jogo de admiração e algoritmos de poder e desejo.

 Aí vem esses chatos desses budistas para dizer que a busca incessante pelo prazer e esquiva da dor só leva a um ciclo infinito de dor e vazio. Como o Mulá Nasrudin comendo pimentas achando que vai encontrar uma que lhe traga prazer e doçura.

Os circuitos do Prazer, os Sistemas de Recompensa, garantem a nossa sobrevivência como espécie. Precisamos do prazer: orgasmos impulsionam os espermatozoides na direção certa, a comida é atraente e garante a sobrevivência, trabalhamos intensamente para pagar as contas e proporcionar alegria a nós e aos entes queridos. Isso está errado? Não, claro que não. Mas a coceira que nunca termina move as rodas do Capitalismo, do hiperconsumo e da ruína do planeta. A busca incessante de mais, mais, mais, cria uma sociedade solitária, competitiva e com uma perda de alma que vai ficando perigosa. A busca de prazeres ou da vida extraordinária multiplica a infelicidade.

O mulá Nasrudin ensinava através de paradoxos e de histórias em que ele parecia um velho tolo ou louco, mas isso só servia e serve para mostrar que os tolos somos nós, que não entendemos a Sabedoria por trás das suas histórias. Louco é o sistema que nos engole.

Como podemos lidar com esse sistema? Muito tem se falado sobre uma desintoxicação de Dopamina: passar um tempo sem computador, sem celular, sem comida lixo e refrigerantes. Música, só as calmas e não barulhentas. Séries do Netflix, delete. Retire o barulho e veja o que fica no lugar: um silêncio assustador, não é? Não se preocupe: começa ruim mas vai ficando bom. A mente fragmentada em uma overdose de estímulos vai ficando mais serena, mais focada, mais capaz de sentir PRAZER. Já pensou?

O jejum de estímulos traz de volta nossa capacidade de estar presente nesse nosso mundo líquido. Em vez de procurar o tempo todo pelo extraordinário, encontramos a beleza do comum, da presença no momento presente: uma folha ciando, um passeio na rua, um momento com pessoas queridas.

Posso sugerir a você, que leu o texto até aqui, para tentar esse jejum. Meia hora por dia. A caminho do trabalho. No fim de semana. Antes de dormir. Jejum de celular, de rede social e, sobretudo, jejum do barulho que nos chega o tempo todo sem que tenhamos consciência. É trocar a busca infindável pela plenitude que está debaixo de nosso nariz.

 

 

 


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