Uma das muitas iniciativas improvisadas e inconsequentes do governo Bolsonaro, o novo marco ferroviário está sem rumo no Congresso. De forma irresponsável, o Senado fez aprovar em outubro a proposta contida no PLS 261/18, sem que houvesse um debate aprofundado, com a participação da sociedade, sobre o assunto. Agora, é a Câmara dos Deputados que acena com uma rápida aprovação do projeto, sem a devida avaliação do impacto negativo que a medida – tratada como inovadora pelo governo – acarretará no futuro de nossas ferrovias.
Em linhas gerais, o novo marco ferroviário que se quer empurrar goela abaixo em Brasília cria a figura da autorização, pela qual empresas privadas poderão assumir a operação de ferrovias apenas para atender a seus interesses, sem se ater ao uso público dos trens ou mesmo abrir a possibilidade de que outros operadores privados venham empregar a infraestrutura – pública, em sua natureza – para transportarem outros produtos e matérias-primas.
Caso seja levado adiante da forma como foi aprovado no Senado, o novo marco não trará qualquer incentivo ao modelo de concessão, pelo qual o Estado tem a oportunidade de exercer seu papel de organização e planejamento do setor, de acordo com uma política pública de transporte. Será fortuita a abertura de licitações, pelas quais o governo pode fazer valer os interesses estratégicos do país no que diz respeito às ferrovias, inclusive no tocante à necessária recuperação e ampliação da atual malha de trilhos.
Ao texto que já se encaminha para a apreciação da Câmara se sobrepõe recente portaria do Ministério da Infraestrutura (Portaria 131/21), que reforça o modelo cartorial com que está sendo encarado o sistema ferroviário no Brasil. Pelo texto, basta solicitar uma autorização que uma empresa ganhará o direito de explorar uma linha férrea, sem estudos de interesse público e da pertinência dessa precária concessão à iniciativa privada, sem contrapartidas que venham beneficiar, por exemplo, o transporte de passageiros.
Enfim, o roteiro traçado pelo governo e pelo Legislativo para nossas ferrovias é sombrio. Aprovado o marco legal nesses moldes, o caminho estará aberto para a exploração de interesse privado de nossas ferrovias por mais 40, 50 anos.
Como consequência, as ferrovias deixarão de ser uma alternativa para a integração nacional, exatamente no momento em que o modal ferroviário se torna ainda mais importante, diante da necessidade de redução na emissão de gás estufa, definida na última conferência global sobre mudanças climáticas, em Glasgow.
A falta de projeto e política pública de Brasília será fatal para o futuro das ferrovias no país.
*José Manoel Ferreira Gonçalves é engenheiro e presidente do PDT do Guarujá. É também integrante do Engenheiros pela Democracia e presidente da Ferrofrente – Frente Nacional pela Volta das Ferrovias.