08/02/2023 às 14h35min - Atualizada em 09/02/2023 às 08h01min

O 'Pivô do Cereal' no Brasil expõe o custo do crédito para os agricultores do país

Pesquisa realizada por especialista em classificação de crédito destaca o 'paradoxo do crédito' enfrentado pela comunidade agrícola brasileira

SALA DA NOTÍCIA LIPR
Pixabay

Agricultores brasileiros estão enfrentando condições de crédito de até 50% APR (Análise Preliminar de Riscos) para garantir financiamento para colheitas e equipamentos, devido à atual incapacidade dos bancos de incorporar dados completos e em tempo real sobre ativos agrícolas ao fazer avaliações de crédito, de acordo com pesquisa compilada pela Credit Data Alliance (CreDA), especialista em classificação de crédito. Segundo dados do Instituto de Economia Agrícola (IEA), o custo do crédito dos programas do próprio governo para o setor agrícola deve aumentar em até 67,7% em relação ao ano passado. 

O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), por exemplo, aumentará suas taxas de crédito de 3,0% '21/'22 para 5,0% '22/'23, enquanto o Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural (Pronamp) aumentará 45%, passando de 5,5% '21/'22 para 8,0% '22/'23. Esses são dois de uma série de programas que representam linhas de crédito cruciais financiadas pelo BNDES. Na prática, no entanto, os agricultores do país devem enfrentar taxas de juros até três vezes mais altas a esse nível, segundo diversos analistas do mercado.

Fakhul Miah, diretor executivo da CreDA, explica que as taxas punitivas enfrentadas pelo setor agrícola brasileiro têm pouco a ver com a disponibilidade de crédito, seja local ou internacional. “O Brasil continua sendo o maior produtor mundial de soja, por exemplo, um recorte que representa cerca de um quarto do Produto Interno Bruto (PIB) do país, e é o segundo maior exportador mundial de cana-de-açúcar. Portanto, a questão não é de crédito disponível para um setor comprovado e historicamente estabelecido”, ele afirma.

“Na prática, os modelos de crédito atualmente aplicados ao setor não levam em consideração o valor atual e potencial dos ativos agrícolas, contra os quais os agricultores estão garantindo seus empréstimos. Tais ativos incluiriam, não apenas terras e equipamentos, mas a qualidade dos mesmos, as práticas de cultivo empregadas por cada agricultor, bem como seu histórico agrícola e comercial.”

“Os dados sobre todos esses parâmetros estão disponíveis e devem – por uma questão de princípio – ser considerados no processo de classificação de crédito. A falha em fazer isso está criando uma distorção de mercado; os agricultores locais enfrentam condições de crédito desproporcionalmente altas, devido – não à ausência de crédito disponível – mas à falha em incorporar todos os dados disponíveis no processo de classificação de crédito. Essa é a essência do ‘Paradoxo do Crédito’ enfrentado pelos agricultores brasileiros: na verdade, não tem nada a ver com o financiamento disponível, mas tudo a ver com os dados disponíveis”, acrescenta Fakhul.

Por conta deste cenário, a CreDA está trabalhando no Brasil para resolver este problema de crédito através de um piloto como parte do programa Credit4Good. Por meio de uma série de parcerias, a CreDA está acessando e analisando levantamentos aéreos por identificação geográfica, coletando dados sobre o tamanho da fazenda, condições de cultivo, irrigação e potencial de rendimento, além de informações financeiras dos agricultores, modelados com os algoritmos de risco de crédito da empresa que avalia os ativos e os comportamentos de pagamento, tanto no sistema tradicional quanto no Blockchain. Este último permite a verificação e garante a integridade e transparência dos dados, bem como a sua disponibilidade; os agricultores podem consultar e gerenciar efetivamente sua pontuação de crédito em tempo real. O sistema de contabilidade por Blockchain também permite que as práticas ambientais sejam rastreadas em tempo real e, por exemplo, agricultores que seguem métodos sustentáveis sejam incentivados com condições de crédito preferenciais.

Vicente da Aceca, agricultor de Assis, Ceará (CE), explica que a atual distorção do mercado pode ter implicações globais, à medida que o Brasil adapta seu mix agrícola para a produção de cereais em resposta ao conflito entre Rússia e Ucrânia.

“O Brasil caminha para uma safra recorde de trigo este ano, com produtividade por hectare três vezes maior do que na década de 1990; novamente, informações cruciais que devem ser consideradas na avaliação de crédito. O ‘pivô’ do Brasil em direção aos cereais é uma resposta à atual situação geopolítica, mas a capacidade de adaptação dos agricultores será diretamente impactada pela disponibilidade de crédito acessível. É mais importante do que nunca que a pontuação de crédito leve em consideração todos os parâmetros disponíveis, cuja ausência pode levar a taxas punitivas – e economicamente ineficientes – hoje tão comuns na agricultura brasileira”, diz Vicente.


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