11/04/2023 às 13h18min - Atualizada em 12/04/2023 às 00h01min

O gosto amargo das frutas brasileiras padrão exportação

Por Mariana Costa, com colaboração de Maíra Mathias, enviadas à Bahia, Pernambuco, Ceará e Rio Grande do Norte

SALA DA NOTÍCIA O Joio e O Trigo
Raquel Torres

Era uma tarde de um domingo quente e seco quando chegamos na casa de Dona Francisca*, em Maniçoba, distrito da cidade de Juazeiro, na Bahia. Ela nos convida a entrar, oferece cadeiras de plástico e água gelada. Na sala, havia um sofá de dois lugares sobre o chão no contrapiso e uma televisão. Oito pessoas, entre filhos e netos, se dividem entre dois quartos, sala, cozinha e banheiro. No lugar de portas, cortinas. A casa de tijolo aparente foi uma conquista recente para a família. “Está inacabada”, adverte.

A entrevista com o casal paraibano foi a primeira de dezenas que fizemos ao longo de duas semanas de viagem pelos dois maiores polos de produção de frutas do Brasil na série especial “No Rastro das Frutas de Exportação”. Estivemos na região do Vale do São Francisco, entre Pernambuco e Bahia, e percorremos cidades do Baixo Jaguaribe e da Chapada do Apodi, entre o Ceará e o Rio Grande do Norte, outros dois importantes complexos agroindustriais concentrados na produção de melão e melancia para exportação.

Para evitar retaliações, todos os trabalhadores aparecem com nomes fictícios, e sem relacioná-los diretamente às empresas nas quais trabalham -- os nomes das empresas estarão ao final dessa reportagem e em todas as reportagens da série.
“Quando a gente começou era de um colono japonês. Ele trabalhava com a gente na roça, vinha em casa tomar café. Até que vendeu o lote pra uma empresa e a gente ficou na firma”, lembra Antônio. Eles não sabem dizer quem são os donos hoje, nem para quais países as frutas que produzem são enviadas. “Não tem exatamente um dono, eles são tipo um grupo de acionistas”, explica. “Eles até conversam com a gente, mas não é como era antes. Esses daí não vão na casa da pessoa pra tomar um café. São mais chiques”, resume Francisca.

 

 

Essa contradição aparece expressa de forma contundente no baixo consumo de frutas por esses trabalhadores, muitos vivendo em algum grau de insegurança alimentar. “Tem que economizar bastante e deixar de comer alguma coisa para poder se manter com o salário. É triste você chegar no caixa e ter que devolver o que pegou porque não pode pagar. Aqui ainda temos nós dois, mas tem colegas que levam apenas feijão e cuscuz porque não têm outra coisa pra comer”, relata Francisca.

Ano a ano, a pauta da alimentação se repete nas convenções coletivas de trabalho nos sindicatos tanto do Vale do São Francisco, como na região do Baixo Jaguaribe e na Chapada do Apodi. Até mesmo a oferta de água potável e gelada nas fazendas foi resultado da luta dos trabalhadores e sindicatos.

Assentamento Bela Vista, em Jaguaruana, Ceará. Foto: Raquel Torres

 

Presidente do sindicato da cidade, Joelson Saraiva conta que as metas por produtividade são comuns também naquela região. “Você tinha que apanhar no mínimo vinte e um baldes por dia. Quando era inverno (período chuvoso no sertão) a acerola carregava e tinha muita, muita, muita carga. A gente apanhava ali 50, 60 e até 80 baldes ", lembra. Os trabalhadores colhem as acerolas e vão carregando os baldes: dois na mão e um no pescoço. Há os que conseguem carregar até cinco baldes por carreira. Recebiam R$ 2 por balde. “Mas, no período de seca, que é só na aguação, é mais difícil. Os melhorzinhos apanhavam, os mais fraquinhos não conseguiam bater a meta. A culpa do verão é do trabalhador?”, questiona Joelson.

Como a grande maioria, Zezinho, presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Juazeiro, também veio da agricultura familiar e tornou-se assalariado após dificuldades em acessar terra e água. Foto: Raquel Torres

 

No Ceará, este ano, a categoria obteve um reajuste de R$ 15 para R$ 17. Isso representa apenas 1,3% sobre o salário mínimo que passou a vigorar em janeiro deste ano, de R$ 1.302. “Todo ano a gente tenta aumentar um pouquinho. O salário mínimo é muito pouco por conta do gasto que o trabalhador tem, porque ele gasta com transporte e alimentação. Só que as empresas têm sempre aquele chorozinho dizendo que estão passando por dificuldades. Mas não teve crise nenhuma, mesmo com a pandemia. Na parte da fruticultura, não teve”, afirma Francisca Fabricia Maciel, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Assalariados e Assalariadas do Baixo Jaguaribe.

Em Apodi, no entanto, a retomada de um projeto irrigado para atender o agrohidronegócio fruticultor enfrenta forte resistência. Além do temor de que a água acabe e dos riscos de contaminação pelo uso dos agrotóxicos, comunidades rurais formadas em sua maioria por agricultores familiares sofrem com o impacto da chegada e partida de uma massa de gente. São cerca de nove mil trabalhadores de diferentes regiões transitando por esses territórios nos picos de safra do melão.

Francisco Agnaldo de Oliveira Fernandes, presidente do Sindicato dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Rurais de Apodi. Foto: Raquel Torres.

 

5 milhões de empregos? Pela própria natureza de cultivos, que não podem ser mecanizados, a fruticultura cria mais empregos quando comparada a outros setores do agronegócio, como a cana, a soja e o milho. “O impacto social da fruticultura é gigantesco. O setor gera mais de cinco milhões de empregos e ainda é o mais inclusivo do agronegócio, já que a maioria dessas vagas é destinada às mulheres”, afirmou Guilherme Coelho, presidente da Abrafrutas, entidade que reúne os principais exportadores brasileiros, em uma rodada de negócios com empresários europeus.

* trabalhadores entrevistados tiveram sua identidade preservada para não sofrerem retaliações

*a série especial sobre fruticultura de exportação teve o apoio da Oxfam Brasil

 

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