Nos idos de 2010, um site chamado Apetrexo entrou na lista de sites não confiáveis do Procon e foi alvo de uma investigação do Ministério Público por danos ao consumidor. A empresa vendia aparelhos importados como iPads e iPhone a preços promocionais e frequentemente não entregava as mercadorias.
Não é mera coincidência a semelhança com o modus operandi da agência de viagens online Hurb, antigo Hotel Urbano, que acumula cerca de 10 mil processos judiciais e milhares de reclamações de consumidores que compraram pacotes a preços irrisórios na pandemia e não conseguem viajar. Na época das denúncias, os irmãos João Ricardo e José Eduardo Mendes, que fundaram o Hotel Urbano no final de 2010, eram sócios do Apetrexo.
Quando o Hotel Urbano começou a chamar a atenção no mercado, por volta de 2012, os irmãos venderam o controle do e-commerce de eletrônicos para Daniel Lima da Luz e Antônio Osvaldo Gomes Cavados. Este último é pai de um diretor e braço direito de João Ricardo no Hurb, Antônio Osvaldo Gomes Cavados Junior. O número de telefone que consta no registro do Hurb é o mesmo usado para o registro da APTX Group, nome oficial da Apetrexo.
Uma das vítimas da Apetrexo foi a BCash, uma antiga empresa de meios de pagamentos do Buscapé, criada justamente para moralizar o e-commerce numa época em que a internet estava repleta de sites não confiáveis.
A BCash garantia a devolução do dinheiro ao consumidor caso o produto não fosse entregue e chegou a repassar R$ 2,8 milhões ao Apetrexo. A BCash costumava reter um parte dos pagamentos como uma reserva para estornos, mas após um pico de vendas em uma Black Friday, os problemas saíram do controle. Quando a relação das empresas azedou, o Apetrexo enviou um comunicado a clientes se eximindo de qualquer responsabilidade. Os clientes da Apetrexo foram instruídos a buscar ressarcimento com a BCash e a empresa ainda incluiu na nota o e-mail de um executivo da BCash.
A comunicação motivou um um processo de indenização por danos morais da BCash contra a APTX, que corre na 24ª Vara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo. Assim como os processos movidos por centenas de consumidores, o da BCash segue sem decisão. Em muitos deles, a APTX não foi localizada para ser citada. A empresa está inativa desde 2018.
O Hurb se posiciona como uma agência que consegue vender viagens mais baratas pois usa algoritmos para encontrar promoções em hoteis e companhias aéreas. A empresa faz a chamada venda a descoberto — ela fatura, mas só vai emitir o bilhete junto à companhia aérea e garantir o hotel próximo a data da viagem, que por sua vez é flexível.
A ‘pegadinha’ é que os contratos são para viagens a serem realizadas em até 24 meses. Quando o serviço não é entregue, o prazo para o cliente solicitar o estorno da compra no cartão já expirou. Resta ao cliente solicitar o reembolso para o próprio Hurb, sem qualquer correção monetária. Quando o dinheiro não é devolvido, o cliente tem que apelar para o Judiciário.
O Hurb teria faturado R$ 3 bilhões com a venda de pacotes promocionais com datas flexíveis durante a pandemia, conforme declarou ao site Brazil Journal o então CEO João Ricardo — o mesmo que xingou e expôs dados de um cliente em um grupo de WhatsApp na semana passada, conforme mostrou a coluna.
A empresa alega que os preços das passagens dispararam e que não tem conseguido encontrar tarifas promocionais para honrar os pacotes.
Um dos pacotes mais vendidos na pandemia foi para Orlando: sete noites com aéreo, por R$ 999. Ao dólar da época, isso equivale a menos de US$ 30 dólares por dia de hospedagem — com a passagem e todas as tarifas saindo de graça.
“Trata-se da única empresa do mundo que vende todos os seus pacotes turísticos (hotel e passagens) a um preço no mínimo três vezes mais barato que os menores preços de todos os seus concorrentes do mundo inteiro”, diz o advogado João Francisco Raposo Soares, que no ano passado fez vídeos no TikTok alertando consumidores do risco de se comprar no Hurb.
“De fato, depois da pandemia, houve aumento dos valores das passagens, assim como houve diminuição das tarifas de hotéis. Mas, mesmo que não houvesse esse aumento, a quantia cobrada pelos pacotes já era insuficiente para cobrir os custos. Obviamente esse é um modelo de negócio que não se sustenta e ninguém precisa ser economista para concluir isso”, diz Raposo.
Ao postar o primeiro vídeo sobre a Hurb, Raposo foi xingado de “advogado de porta de cadeia” por alguns anônimos e também abertamente por Cavados Junior, a partir de um celular do Hurb. No dia seguinte, robôs hackearam seus perfis. Ele tem 180 mil seguidores só no TikTok.
Os vídeos ainda renderam a Raposo um processo por difamação movido pelo Hurb. A empresa tentou retirar os vídeos do TikTok do ar e o advogado chegou a ser condenado a pagar R$ 10 mil de indenização. Ele conseguiu reverter a decisão e agora o processo aguarda decisão de segunda instância.
Para preparar a sua defesa, Raposo vasculhou sites de reclamações, juntas comerciais e processos judiciais e acabou se deparando com o caso do Apetrexo.