A política do Ministério da Educação (MEC) de abertura de novos cursos de Medicina prioritariamente em cidades com escassez de médicos, adotada a partir de 2013 por meio da lei do programa Mais Médicos e que deverá ser retomada este ano, foi capaz de aumentar em 115% as vagas em cidades do interior, mas não obteve sucesso em fazer com que esses profissionais permanecessem nessas localidades após formados.
O estudo Demografia Médica, conduzido pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) em parceria com a Associação Médica Brasileira (AMB), mostra que o porcentual de novas vagas em municípios do interior subiu de 49%, no período de 2002 a 2013, para 84%, entre os anos de 2013 a 2022. Mas mesmo com parte dessas turmas da última década já graduadas, a concentração de médicos nos grandes centros ainda é expressiva: são 6,21 médicos por mil habitantes nas capitais e só 1,72 no interior, taxa abaixo da considerada satisfatória pela Organização Mundial da Saúde (OMS), de 2,6.
“Apostou-se na abertura de vagas no interior com expectativa de que a interiorização de cursos faria com que, depois de formados, os profissionais permanecessem e pudessem até ser acionados nos programas de provimento. Parte das turmas ainda está se formando, mas muitos dos egressos estão retornando para grandes centros”, diz Mario Scheffer, professor da USP e coordenador do estudo Demografia Médica.
O Brasil tem 42,2 mil vagas de graduação médica e apenas 24,5 mil vagas de residência do tipo R1, ou seja, para o ingresso na especialização. Do total de vagas em faculdades de Medicina, 57% estão no Sul e Sudeste. Já entre os de residência, 71% estão nessas duas regiões, o que indica maior concentração.
O cenário, dizem especialistas e ex-estudantes, faz com que boa parte dos formados em municípios menores saia do local logo após obter o diploma para buscar especialização ou oportunidades de emprego nas capitais ou municípios maiores.
Registro
Dados do Conselho Federal de Medicina (CFM) mostram que um em cada cinco formados entre 2018 e 2021 solicitaram seu primeiro registro profissional em um conselho regional (CRM) de um Estado diferente daquele em que se graduou. Em Estados do Norte, como Acre, Tocantins e Rondônia, mais de 50% dos egressos optaram pelo registro primário em outra unidade da Federação.
“Tem um fator importantíssimo para fixação de profissionais que é a busca de especialização/residência, que muitas vezes não está disponível nas cidades com menos de 100 mil habitantes onde foram abertos vários cursos”, diz Scheffer.
Segundo Mario Dal Poz, professor de Medicina da Universidade do Estado do Rio (UERJ), estudos internacionais mostram que só 20%, em média, dos médicos egressos das faculdades trabalham no local onde se graduaram. “É por isso que alguns países, como Austrália e Canadá, têm políticas que oferecem incentivos para que esses profissionais possam ficar por um tempo nesses locais e depois migrar de acordo com seus interesses”, diz.
Scheffer ressalta que, além da busca por especialização, outras razões que fazem os profissionais migrarem para cidades maiores são oferta de emprego em unidades de maior complexidade ou escolha de especialidades mais rentáveis, além das condições de vida no local. “Se o profissional quer seguir carreira em especialidade cirúrgica, por exemplo, provavelmente vai buscar uma cidade maior porque nas pequenas não vai encontrar residência.”
Ele lembra ainda que muitos são atraídos por empregos no setor privado, mais presente em cidades de maior porte populacional. “Tudo isso deve ser considerado em uma nova política de abertura de cursos. Essa decisão anunciada agora de abrir cursos em cidades com menor densidade de médicos já foi anunciada há dez anos e precisa ser aprimorada”, afirma.
Para Julio Braga, coordenador da comissão de ensino médico do CFM, é preciso avaliar as estruturas de saúde locais antes de abrir novas faculdades. “O aumento de vagas não foi acompanhado de aumento de serviços de saúde, de hospitais, leitos hospitalares ou recursos que permitam aos profissionais ficarem nas regiões mais remotas. A falta de estrutura e de profissionais mais especializados nessas localidades que possam ser professores e tutores interfere na qualidade da formação”, diz.