Acusado pela Polícia Federal de ter participado do suposto esquema de adulteração de cartões de vacinas de personagens do entorno do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o médico Farley Alcântara era esperado por dez pessoas na manhã dessa quinta-feira (4) na clínica onde faz atendimentos em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio. Cerca de 24 horas após ter sido alvo da operação Venire, ele trabalhou normalmente.
Nessa quinta, como em todas as semanas, Alcântara era o único médico responsável por todos os atendimentos até meio-dia. A equipe médica se reveza entre os dias da semana. Tranquilo e educado, o profissional chegou à clínica às 9h13, onde pacientes já lhe esperavam. O valor particular do atendimento, que só pode ser pago em dinheiro, é de R$ 100.
A manhã que sucedeu a operação parecia mais um expediente comum na rotina do oftalmologista. A recepcionista direcionava os pacientes a ele, que recebia todos com um “bom dia” e sorriso no rosto.
A recepção, uma pequena saleta com oito cadeiras, reuniu pessoas que aguardavam o doutor por toda a manhã, que se revezavam entre quem conseguia um lugar sentado ou permanecia em pé. O consultório, de pouco mais de 20 m², conta com três salas de atendimento, uma delas com um equipamento para realizar teste rápido de visão.
A recepcionista afirmou a um dos pacientes que o doutor entrará de férias em breve e voltará em junho. O médico está de casamento marcado em Itaperuna, no interior do Rio, e com viagem para a Europa agendada para lua de mel.
Falsidade ideológica
Farley Alcântara é acusado de falsidade ideológica por ter supostamente adulterado o comprovante de vacinação de Gabriela Cid, esposa do ajudante de ordem de Jair Bolsonaro, Mauro Cid. De acordo com a investigação, o oftalmologista era médico plantonista, como clínico geral, no município de Cabeceiras (GO) quando, a pedido de seu tio, o sargento Luís Marcos dos Reis, forneceu um cartão de vacinação da Secretaria de Saúde do Estado de Goiás. O documento tinha o carimbo e CRM de Alcântara e replicava os dados da vacina que foram aplicados em uma enfermeira na localidade em agosto e novembro de 2021.
Após o sistema do município do Rio de Janeiro recusar o cadastro da vacina ministrada em Goiás, o oftalmologista ainda concedeu um cartão de vacinação em branco. As mensagens de WhatsApp entre Alcântara e Reis são descritas nos autos do processo.
Graduado em medicina pela Faculdade de Medicina de Juiz de Fora, Farley Alcântara não atua mais em Cabeceiras desde dezembro de 2021. Além do município, ele prestou serviços à Prefeitura de Goiânia entre 2018 e 2019. De acordo com publicação do Diário Oficial, ele teve um contrato médico de urgência no valor de R$ 84 mil.
De acordo com Conselho Federal de Medicina (CFM), o oftalmologista possui inscrição ativa para atuar nos estados de Goiás, Rio de Janeiro, Mato Grosso e Distrito Federal. Contudo, conforme constatado no sistema da CFM, ele está desligado das funções nos dois últimos estados.
No DF, ele chegou a ser médico residente em oftalmologia no Hospital de Base do DF e recebeu, durante dois anos, R$ 5.648,19 por mês. As informações são do portal da transparência do governo.
Os conselhos regionais de medicina de Goiás (Cremego) e do Rio de Janeiro (Cremerj) informaram que tomaram conhecimento da investigação pela imprensa, na quarta-feira, mas que não houve notificação por parte da PF. Os órgãos afirmam que irão apurar a denúncia em sigilo.