Com a aprovação do regime de urgência no último dia 25, os ventos pareciam favoráveis ao governo para a retomada das discussões do PL 2.630/2020, conhecido como “PL das Fake News”. Em um período de uma semana, porém, a maré virou e obrigou o relator do projeto, o deputado Orlando Silva (PC do B-SP), a pedir o adiamento da votação para evitar que a proposta fosse derrotada no plenário.
Considerado por entidades defensoras dos direitos digitais como essencial para barrar a disseminação em massa de desinformação, mensagens de ódio e estímulo à violência nas redes sociais, o projeto propõe a regulação das plataformas digitais, aumentando a responsabilidade das empresas sobre os conteúdos postados por usuários.
A seguir, veja os pontos-chave da escalada da crise que culminou no adiamento da votação e quais as estratégias do governo para tentar evitar um novo revés:
Após a derrota do ano passado, a aprovação do regime de urgência para acelerar a tramitação do projeto foi encarada com otimismo por seus defensores. Entretanto, mesmo diante do cenário de comoção em torno dos ataques às escolas, a aprovação recebeu menos votos favoráveis do que tinha obtido em 2022 e só se concretizou por uma manobra regimental do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Para reduzir a quantidade de votos necessários para a aprovação, Lira colocou em votação no último dia 25 um pedido de urgência comum, que exige maioria simples — ou seja, metade mais um dos parlamentares presentes. Isso permitiu que a tramitação especial fosse aprovada por 238 votos contra 192;
Na derrota do ano passado, foi votada uma “urgência urgentíssima”, que requer maioria absoluta — mais da metade do total de 513 deputados eleitos. Por isso, a urgência não foi aprovada, apesar do placar de 249 votos favoráveis e 207 contrários.
Apenas duas legendas de oposição instruíram seus parlamentares a votarem contra a urgência do texto no último dia 25: PL e Novo. O placar, porém, mostrou que a orientação das lideranças do chamado Centrão não se converteu em votos para o governo. O União Brasil, sigla do ministro das Comunicações, Juscelino Filho, deu 28 votos contrários e 19 a favor. Já o partido de Lira, que tem se empenhado pela aprovação, se posicionou majoritariamente contra a urgência, por 21 a 18.
Evangélicos
Às vésperas da votação do regime de urgência, começaram a circular nas redes peças de desinformação que afirmavam que o PL 2.630 iria censurar versículos da Bíblia.
Panfletos sem assinatura que faziam essa alegação foram distribuídos a parlamentares da bancada evangélica, que teriam atribuído os impressos à Meta — dona de Facebook, Instagram e WhatsApp. A empresa negou, mas a camara-e.net (Câmara Brasileira de Economia Digital), entidade que reúne diversas plataformas, inclusive a Meta, assumiu a autoria da iniciativa.
O argumento de que a publicação de trechos da Bíblia estava em risco defendia que certos versículos poderiam ser interpretados como discurso de ódio ou estímulo à violência e, por isso, corriam o risco de ser banidos das redes. A interpretação, no entanto, omitia o parágrafo da lei que garantia sua não aplicação a conteúdo religioso.
Censura
Um dos principais argumentos usados para atacar o projeto é de que se trata de uma ameaça à liberdade de expressão e uma tentativa do governo Lula de censurar as redes sociais. Versões mais extremistas afirmam ainda que o objetivo é calar a oposição e implantar uma ditadura no país.
Entre os pontos do texto usados para sustentar essa argumentação estava a previsão de criação de uma entidade autônoma de supervisão, órgão que ficaria responsável por fiscalizar a aplicação da lei.
Ataques
Após a aprovação da urgência para a tramitação do PL 2.630, a pressão aumentou nas redes sociais: o número de anúncios políticos atacando a proposta quintuplicou no Facebook e no Instagram. No WhatsApp, todas as mais de cem correntes que circulavam sobre o tema em grupos políticos eram contrárias ao projeto.
Das 113 mensagens no WhatsApp contra a regulação, 55 incentivavam usuários a pressionar parlamentares marcando-os em posts nas redes, enviando e-mails ou telefonando aos gabinetes. Outras 21 divulgavam o site PL da Censura, ligado ao ex-deputado Paulo Ganime (Novo), que mostrava um placar do projeto. O resultado da campanha foi uma enxurrada de mensagens, telefonemas e ataques contra parlamentares.
Plataformas
As plataformas também investiram pesado na propaganda contra o projeto. Na véspera da votação do mérito, o Google publicou um link logo abaixo da caixa de seu buscador que levava a um conteúdo contrário ao texto — sem informar que se tratava de publicidade. Após notificação da Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor), a mensagem foi removida da página inicial.
Além do Google, a Meta também publicou posicionamento que, segundo especialistas, usava argumentos distorcidos para atacar o PL 2.630. Os textos das plataformas alegavam que o projeto impediria as redes de removerem desinformação, as obrigaria a remunerar desinformadores e permitiria que o governo controlasse o que circula nas redes, o que não é verdade.
Já o Twitter, às vésperas da votação do mérito, foi acusado de remover, sem explicação, o perfil Regular para Proteger, promovido pela ONG Avaaz e que faz campanha a favor da regulação das plataformas. Após enfrentar uma série de críticas, a conta foi restabelecida.