Ainda bem que você veio ler a notícia, porque o título sozinho pode gerar confusão. Afinal, estamos falando da covid-19, uma doença causada por um vírus, o coronavírus SARS-CoV-2. De pronto, não faz nenhum sentido usar um antibiótico, classe de remédios que age contra bactérias, em um paciente doente. Só que essa relação muda quando pensamos na internação em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI).
A questão é que novos estudos científicos têm mudado a percepção do que se entende como a causa da morte pela covid. Em pacientes da UTI, a infecção pelo vírus da covid-19 fragiliza (e muito) o sistema imunológico e abre espaço para infecções secundárias, como a pneumonia causada por uma bactéria resistente. Esta pode ser tão fatal ou até mais mortal que o coronavírus sozinho. Para trazer uma referência bem brasileira ao debate, foi um quadro semelhante a esse que levou o comediante Paulo Gustavo a falecer, lá em 2021.
A partir de dados médicos de 585 pacientes norte-americanos que estavam internados em uma UTI e que recebiam suporte ventilatório (ventilação mecânica), sendo que 190 eram casos confirmados da covid-19, os cientistas da Northwestern Feinberg School of Medicine fizeram importantes descobertas, com ajuda de uma ferramenta de machine learning:
– O tempo médio de internação de um paciente com covid tende a ser maior que de casos de outras doenças respiratórias;
– Quase metade dos pacientes com covid desenvolve uma pneumonia bacteriana secundária associada ao uso do ventilador mecânico;
– Para todos os pacientes, qualquer caso de pneumonia resistente — quando o tratamento não funciona — associado ao uso da ventilação mecânica aumenta o risco de morte.
“Nosso estudo destaca a importância de prevenir, procurar e tratar agressivamente a pneumonia bacteriana secundária em pacientes gravemente enfermos com pneumonia grave, incluindo aqueles com covid”, afirma Lawrence Hicks, um dos autores do estudo, em comunicado.
“Nossos dados também sugerem que a mortalidade relacionada ao vírus em si é relativamente baixa, mas outras coisas que acontecem durante a permanência na UTI, como pneumonia bacteriana secundária, compensam isso”, acrescenta sobre as descobertas do estudo publicado na revista Journal of Clinical Investigation.
Pneumonia bacteriana
Voltando para os casos da covid-19 no Brasil, outro estudo desenvolvido por pesquisadores do Instituto Nacional de Cardiologia e Hospital Unimed Rio também chegou a conclusões similares no ano passado. A pesquisa completa foi publicada na Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo (Imtsp).
No total, 191 voluntários internados com covid-19 e que receberam ventilação respiratória foram recrutados. Desse número inicial, 57 (29,8%) tiveram infecções secundárias. “Observamos alta prevalência de infecções adquiridas na UTI e predominância de bactérias gram-negativas, especialmente Acinetobacter baumannii multirresistente e Klebsiella pneumoniae”, afirmam os autores. Novamente, a existência de uma segunda infecção foi associada à maior mortalidade.
Aqui, vale pontuar que existem diferentes origens para a infecção secundária, desde questões dos protocolos hospitalares até o uso excessivo de antibióticos, o que contribuiu para a seleção de bactérias mais resistentes e potencialmente fatais.
Infecções secundárias
O curioso é que, segundo a equipe de cientistas brasileiros, o comportamento é similar em outras pandemias e epidemias. Por exemplo, quando se olha para os dados existentes sobre as vítimas da gripe espanhola (1918-1919), a maioria das mortes esteve associada com a pneumonia bacteriana, causada por bactérias comuns do trato respiratório superior.
Mais recentemente, durante a pandemia de influenza A em 2009, “complicações bacterianas estiveram presentes em aproximadamente um em cada quatro casos graves ou fatais, com maior morbidade em adultos e pacientes internados em Unidade de Terapia Intensiva”, completam.