Em votação nessa terça-feira (16), a Câmara Municipal de Caxias do Sul (Serra Gaúcha) decidiu pelo arquivamento do pedido de cassação do vereador Sandro Fantinel (sem partido). Ele é alvo de denúncias por manifestações preconceituosas na tribuna, incluindo um discurso proferido contra o povo baiano, após resgate de trabalhadores em situação similar à escravidão, em Bento Gonçalves.
O placar foi de nove votos contra e 13 a favor do afastamento, mas eram necessários 16 (dois terços da composição do plenário, incluindo o voto do presidente do parlamento local).
As representações haviam sido protocoladas pelas Defensorias Públicas do Rio Grande do Sul e da Bahia e pelo ex-vice prefeito de Caxias do Sul, Ricardo Fabris.
Parlamentar culpou as vítimas
Tudo começou no dia 28 de abril, com a irritação de Sandro Fantinel diante da repercussão nacional da descoberta de que trabalhadores temporários, aliciados principalmente na Bahia, eram submetidos a regime abusivo de trabalho na Serra Gaúcha. Eles haviam sido contratados por empresa terceirizada para atuarem na safra de uva em propriedades de vinícolas da região.
Em sua fala, o parlamentar – então vinculado ao partido Patriotas – tentou minimizar o caso, insinuando que a culpa pelo regime análogo à escravidão era das próprias vítimas. Ele utilizou o microfone do Legislativo municipal para dizer que “a cultura dos baianos se resume a viver na praia, tocando tambor”.
No mesmo pronunciamento, desdenhou das condições degradantes do alojamento onde eram mantidos mais de 200 pessoas: “Eles querem o quê? Hotel Cinco-Estrelas?”.
A fala – que também foi duramente condenada nos mais variados meios – incluiu outras considerações marcadas por preconceito e xenofobia. “Não contratem essa gente lá de cima!”, vociferou em um dos trechos do discurso. “Contratem argentinos, por exemplo, que são limpos, trabalhadores, corretos, cumprem o horário e ainda agradecem ao patrão.”
Na mira da Polícia e do MP-RS
O vereador acabou expulso da sigla à qual era vinculado. Na sequência, passou a ser alvo de investigação da Polícia Civil e ação civil pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS), com pedido de indenização de R$ 300 mil por danos morais coletivos.
Na avaliação da promotora de Justiça Adriana Karina Chesani, autora da ação, o processo leva em consideração “a gravidade do fato, a extensão do dano, a intencionalidade e a reprovabilidade extremas da conduta e a condição pessoal do réu, vereador de um município de grande porte”.
Ela acrescentou: “Fantinel ofendeu a dignidade e o decoro dos brasileiros originários da Região Nordeste do Brasil e, com mais contundência, do Estado da Bahia. Além disso, incitou a população à prática de discriminação, preconceito e discurso de ódio contra esses brasileiros.”
O objetivo da ação é coibir novos comportamentos semelhantes que, uma vez não repreendidos, possam vir a ser reproduzidos pelo próprio vereador ou por qualquer outra pessoa que venha a se sentir encorajada pela ausência de consequências de maior gravidade.
Ainda de acordo com a promotora, as falas de Fantinel demonstraram intolerância, insensibilidade, ignorância, falta de respeito e aversão ao povo nordestino, conclamando produtores locais a não contratarem trabalhadores do Estado nordestino, a quem acusou de “só quererem praia e tambor”.
A ação também considera que há “notório dano” à Serra Gaúcha: eleito por parcela da população para ocupar cargo de vereador, Fantinel é uma espécie de porta-voz de sua comunidade, deixando transparecer ao povo brasileiro a impressão injusta e equivocada, de que suas palavras representam o pensamento local.
(Marcello Campos)