Um dos primeiros ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) a votar no julgamento sobre a descriminalização do porte de maconha, ainda em 2015, o ministro Luís Roberto Barroso estabeleceu uma proposta de quantidade permitida para um usuário: 25 gramas. O número foi baseado na legislação portuguesa, considerada referência internacional no tema. Se esse limite for aplicado no Brasil, 27% de todos os condenados pelo crime do tráfico de drogas presos por apreensão de maconha estariam dentro do parâmetro e, portanto, poderiam ser absolvidos. Nesta quinta (26), o STF retoma o julgamento do assunto.
A simulação foi feita pelo Ipea, na pesquisa “Critérios Objetivos no Processamento Criminal por Tráfico de Drogas: natureza e quantidade de drogas apreendidas nos processos dos tribunais estaduais de justiça comum”, que concluiu que a maioria dos processos por tráfico de drogas acontece após apreensões de quantidades pequenas das substâncias. Em 58,7% dos casos por tráfico de maconha, por exemplo, foram apreendidas menos de 150 gramas. O estudo analisou 5.121 processos em todos os tribunais do País, uma amostra que indica o cenário nacional.
A pesquisa realizou simulações do impacto no sistema judicial para diferentes cenários de limites de porte de drogas. Em 2015, no contexto do início do julgamento do STF, retomado somente nesta semana, o Instituto Igarapé publicou uma nota técnica com propostas de parâmetros de quantidade, após análise das legislações internacionais sobre o tema e estudos de padrão de consumo nacional.
Assim, os pesquisadores chegaram a três cenários: no conservador, a lei permitiria o porte de 25 gramas de maconha e de 10 gramas de cocaína; no intermediário, 40 g de maconha e 12g de cocaína; no liberal, 100g de maconha e 15g de cocaína.
Os pesquisadores do Ipea, então, analisaram quantos processos e condenações por tráfico de drogas, nos casos de apreensão de maconha ou cocaína, seriam impactados por esses limites. De 27% a 48% dos condenados pelo crime de tráfico, por causa de maconha, poderiam ser enquadrados como casos de porte descriminalizado e, assim, pedir a revisão da pena. Para o caso da cocaína, os percentuais seriam de 31% a 37% dos condenados.
“O impacto é muito importante. Não sei se o STF vai decidir algum parâmetro de quantidade, mas nossa pesquisa indicou a predominância de apreensões de pequenas quantidades. Já esperávamos algo nessa linha, por causa de estudos anteriores, mas me surpreendeu ainda assim o resultado. Pudemos ter a noção do tamanho da questão”, afirmou a pesquisadora do Ipea e uma das autoras do estudo Milena Karla Soares.
Cerca de um terço de todos os presos do Brasil estão na cadeia por causa da lei antidrogas. São 215 mil pessoas numa população carcerária de 750 mil. O estudo do Ipea, porém, analisou processos e condenações em 1º grau, mas nem todos os condenados nesses casos estão na prisão, pois podem estar recorrendo em liberdade.
“A fixação de critérios objetivos com quantidades conforme cada substância para diferenciar as condutas de porte para consumo pessoal para as condutas de tráfico poderá significar o desencarceramento de muitas pessoas condenadas a penas pesadas como traficante mesmo portando pequena quantidade de substâncias proibidas”, afirmou Emílio Figueiredo, advogado na Rede Reforma, coletivo de juristas que combate a atual política de drogas.
O impacto no sistema seria relevante porque, conforme a pesquisa do Ipea mostrou, a maioria dos processos acontece após apreensões de pequenas quantidades de drogas. No caso da maconha, por exemplo, a média apreendida foi de 85g, e 58,7% dos processos envolviam menos de 150g da substância. Para a cocaína, a média era de apenas 24g, e somente 6,5% dos processos tiveram apreensões de mais de um quilo da substância.
Além disso, 85% dos processos tiveram prisões em flagrantes, e a PM esteve presente na maioria (76,8%). Já a Polícia Civil, a força de polícia judiciária, que tem a competência das investigações criminais, só esteve presente em 19,1% dos flagrantes. Dados que corroboram um cenário de investigações diminutas nesse tipo de crime, explica Soares.
Outra conclusão da pesquisa foi de que não há uma padronização nas informações sobre quantidades apreendidas nos processos. Em muitos casos, a droga era pesada dentro das embalagens, em outras fora, e na maioria não havia sequer essa informação. Por isso, o Ipea sugeriu um protocolo, com padronização nacional, para que só o conteúdo líquido, ou seja, fora da embalagem, seja pesado.
Uma pesquisa anterior do Ipea, revelada em março, analisou o perfil social dos presos por tráfico. Hoje, 68% dos réus processados no Brasil são negros. No final do ano, uma nova pesquisa irá realizar o cruzamento entre fatores sociais e de natureza processual, para entender a influência de cada variável nas condenações. Apontando, assim, o peso da cor do réu, da sua renda e escolaridade, além de analisar como a presença de advogado ou defensor público influencia no processo.