A Câmara dos Deputados aprovou um requerimento de urgência para um projeto que dificulta a demarcação de terras indígenas. Foram 324 votos a favor, 131 contrários e uma abstenção. A aprovação da urgência permite a votação do texto diretamente no plenário, sem passar pelas comissões temáticas da Câmara.
A federação que inclui PT, PC do B e PV orientou o voto contrário ao projeto, mas o deputado Rubens Junior (PT-MA), falando como líder do governo, liberou a bancada para votar como preferisse. “O governo nesse caso vai liberar a matéria em relação a urgência e depois a gente aprecia no mérito”.
O presidente da Casa, deputado Arthur Lira (PP-AL), afirmou que o mérito do texto será pautado na próxima terça-feira (30). A proposta já passou pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara em junho de 2021, mas foi rejeitada pela Comissão de Direitos Humanos.
“Genocídio legislado”
Após a aprovação da urgência pela Câmara, a Ministra dos Povos Indígenas (MPI), Sonia Guajajara, disse em uma rede social que o marco temporal é um “genocídio legislado”.
“O Marco Temporal é um genocídio legislado. Uma teoria que inverte toda história do Brasil. Um projeto de lei que atenta contra constituição brasileira. Um atentado ao direito dos povos Indígenas. Um ataque a nossa maior possibilidade de enfrentamento da crise climática, as TI’s”, disse ela.
Mais cedo, em entrevista à Globonews, Guajajara disse haver “certa frustração” com o presidente Lula após uma Comissão Mista aprovar um relatório da medida provisória que reestruturou o governo retirando atribuições do MPI.
“Não posso negar que há, sim, uma certa frustração. Até porque o presidente Lula se comprometeu durante a campanha, prometeu ministério, cumpriu, e esse ano se posicionou fortemente com esse protagonismo dos povos indígenas e a retomada da demarcação dos territórios”, disse.
Debates
A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) reclamou da votação da urgência de forma sumária na sessão de quarta-feira (24).
“Precisava ter sido combinado previamente e isso não foi feito. Vários líderes manifestaram a necessidade de não entrar em um tema como esse, que é sensível, que é polêmico e complexo”, afirmou.
“Essa pauta não é uma pauta que coloca nenhum privilégio aos povos indígenas. Ela pode trazer gravíssimos retrocessos a direitos já conquistados e outros que estão por serem conquistados por povos historicamente discriminados nesse país”, acrescentou a deputada.
O deputado Arthur Maia (União-BA), relator da matéria, disse que a proposta é um dos mais importantes temas para o Brasil e o parlamento.
“É inaceitável que ainda prevaleça insegurança jurídica, que pessoas de má fé se utilizem de autodeclarações de indígenas para tomar de maneira espúria a propriedade alheia, constituída, na forma da lei, e de acordo com a Constituição”.
Proposta
A proposta cria um “marco temporal” para as terras consideradas “tradicionalmente ocupadas por indígenas”, exigindo a presença física dos índios em 5 de outubro de 1988.
Segundo o texto, a interrupção da posse indígena ocorrida antes deste marco, independentemente da causa, inviabiliza o reconhecimento da área como tradicionalmente ocupada. A exceção é para caso de conflito de posse no período.
O texto ainda proíbe a ampliação de terras indígenas já demarcadas.
O projeto também:
O texto ainda abre caminho para a mineração em terras indígenas. Segundo o parecer do relator, o usufruto dos índios não abrange, por exemplo, o aproveitamento de recursos hídricos e potenciais energéticos, a garimpagem, a lavra de riquezas minerais e “áreas cuja ocupação atenda a relevante interesse público da União”.
Supremo
A discussão sobre o texto voltou ao Congresso depois que a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, pautou uma ação que trata do tema para o dia 7 de junho.
Para se antecipar a uma decisão do STF, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), prometeu à bancada ruralista colocar em plenário a votação do projeto, para que os parlamentares se pronunciem sobre o assunto.
O julgamento no Supremo começou em 2021. Até o momento, dois ministros votaram: relator do caso, Luiz Edson Fachin se manifestou contra a aplicação do marco temporal. O ministro Nunes Marques votou a favor.
A análise do tema, contudo, foi interrompida em 15 de setembro de 2021 em razão do pedido de vista – mais tempo para analisar o caso – apresentado pelo ministro Alexandre de Moraes.