Após mais de sete anos operando com ociosidade, a economia brasileira superou enfim a sua capacidade máxima produtiva em 2022, fechando assim o hiato do produto — diferença entre o PIB (Produto Interno Bruto) corrente e o PIB potencial. No entanto, o fenômeno ocorreu por uma estagnação dessa capacidade produtiva, e não de um avanço mais contundente da demanda. Os cálculos são de um estudo do Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).
O hiato do produto mede o espaço que o PIB tem para se expandir sem que estimule uma inflação de demanda: quando está negativo, significa que há ociosidade; quando está positivo, significa uma demanda maior do que a capacidade de produção.
Em território negativo desde 2015, o hiato voltou ao positivo apenas no segundo trimestre de 2022, a 0,5%. O indicador acelerou a 1,8% no terceiro trimestre de 2022, arrefecendo a 0,4% no quarto trimestre do ano passado. Até então, a última vez que o hiato mostrara um resultado positivo foi no quarto trimestre de 2014, de 0,7%.
No entanto, o hiato do produto positivo não é um sinal de aquecimento da economia brasileira, mas é explicado, em grande parte, pela estagnação do produto potencial, depois de 40 anos de crescimento no longo prazo, defendem os pesquisadores Claudio Considera, Elisa Andrade e Juliana Trece, autores do estudo do Ibre/FGV.
“É a falta de oferta”, escreveram os pesquisadores. A economia brasileira permaneceu rodando com capacidade ociosa por 29 trimestres consecutivos. O pico da ociosidade ocorreu no segundo trimestre de 2020, quando o hiato estava em -14,7%, devido ao choque provocado pela pandemia de Covid-19, mas a economia já mantinha capacidade ociosa desde a recessão econômica anterior, que se estendeu de 2014 a 2016.
O PIB potencial cresceu anualmente, em média, 2,73% entre 1982 e 2014. Desde a recessão, entre 2014 e 2022, esse crescimento médio arrefeceu para apenas 0,23% ao ano.
“O que eu chamo a atenção é que ele só está positivo porque o produto potencial (PIB potencial) parou de crescer. Se ele viesse no padrão dele, de 2,7% ao ano, como ele tinha crescido até 2014, não teria esse problema, ainda teríamos um hiato negativo. A economia está operando agora acima da capacidade potencial, mas não porque esteja aquecida, mas porque o produto potencial estagnou. Isso não é uma coisa normal.”, avaliou Claudio Considera, coordenador de Contas Nacionais do Ibre/FGV.
A estagnação da capacidade produtiva no País é decorrente de uma menor participação da população no mercado de trabalho e da falta de investimentos no capital produtivo, justificou.
O levantamento da FGV se baseia no PIB efetivo divulgado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e estima o PIB potencial através da produtividade total dos fatores, que considera a capacidade instalada de capital e a utilização da oferta de mão de obra.
“Não cresce por quê? Porque não tem investimento em capital, e o trabalho não voltou”, resumiu Considera sobre a situação do PIB potencial.
Pelo lado do trabalho, apesar da recuperação no emprego, o Brasil ainda tem milhões de inativos — pessoas que não trabalham nem buscam uma vaga — a mais do que no pré-pandemia.
A proporção de pessoas em idade de trabalhar (com 14 anos ou mais) que efetivamente participa do mercado de trabalho (seja trabalhando, seja procurando emprego) encerrou o primeiro trimestre de 2023 em 61,6%, patamar inferior ao registrado no primeiro trimestre de 2019, de 63,4%.
O fenômeno de aumento da inatividade é generalizado, afetando todas as faixas etárias, conforme os dados da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) apurados pelo IBGE. O estudo da FGV lembra ainda que houve mais de 700 mil vidas perdidas para a Covid-19 no País, “sem contar as várias pessoas com sequelas tornando-se pouco produtivas”.
Quanto à capacidade instalada de capital, Considera acredita que, além da ociosidade elevada persistente, o ambiente de incertezas políticas e econômicas nos últimos anos desestimulou novos investimentos.
“Assim não tem como dar confiança a investidor. O investidor prefere estar ganhando dinheiro fazendo outra coisa, apostando no mercado financeiro, comprando títulos do banco, que pelo menos dá 13% ao ano”, opinou o pesquisador.