Em meio a discussões efervescentes, eles lembraram que o 13 de maio (que tem referência com a abolição da escravatura em 1888), não os representava. Para eles, seria uma outra data que precisaria de destaque especial: o 20 de novembro (da morte de Zumbi dos Palmares, de 1655-1695). Esse, sim, haveria de ser o Dia da Consciência Negra. Nascia ali naquelas conversas o caminho para uma data nacional, feriado nesta segunda-feira (20) em seis estados e em pelo menos 1.260 cidades.
“É uma luta que faz parte da minha vida”, diz a professora, que trabalha com educação de surdos na cidade de Canoas, no Rio Grande do Sul. “Como militante, cabe a mim dar continuidade aos projetos que ele me deixou: Associação Negra de Cultura e agora o Instituto Oliveira Silveira”, afirma. Naiara era uma criança quando houve a primeira reunião do grupo Palmares. Ela estava presente correndo de um lado para outro. No dia 20 de novembro de 1971, os integrantes do grupo apresentaram à comunidade que aquela data poderia trazer um novo significado de luta ao país.
Ela argumenta que o pai sempre foi uma pessoa reconhecida em Porto Alegre, mas, após a sua morte, todo o trabalho dele passou a ser mais reconhecido. Nesta segunda-feira, a família de Oliveira Silveira vai receber, em nome do escritor, o título de doutor honoris causa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Pesquisadora dessa história, a professora Petronilha Gonçalves e Silva, da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), argumenta que a proposta feita pelo Grupo Palmares ganhou força com as poesias, mas também com os artigos científicos escritos pelos professores e estudantes.
A primeira reunião do grupo teve Oliveira Silveira, Antônio Carlos Cortes, Ilmo da Silva e Vilmar Nunes. O próprio Silveira escreveu - em publicação de 2003 - que a ideia do grupo Palmares era cultural, mais propriamente para literatura e teatro. Mas eles foram além disso.
Os detalhes dessa história estão em obra escrita pela professora Petronilha em parceria com o sociólogo Valter Roberto Silvério, também docente da Ufscar, publicada em 2003 pelo MEC.
O movimento - nascido no início da década de 1970 - um dos momentos mais violentos da ditadura militar brasileira, pós-adoção do Ato Institucional número 5 (AI-5,) - era reconhecido também como uma ação de resistência em meio à revogação de liberdades individuais.
“O 13 de maio era uma data que não nos representava e, por isso, [eles] celebraram, desde 1971, o primeiro 20 de novembro. O celebrar não tem o sentido de comemorar, mas de lembrar”, enfatiza. O professor Valter Silvério chama atenção para o fato de que o governo militar estava atento aos movimentos negros no Brasil, tanto do campo como das cidades.
Seriam esses movimentos que poderiam escancarar a falta de políticas públicas. “O próprio Oliveira Silveira era uma pessoa fichada no departamento de política. Várias pessoas (do movimento negro) eram observadas. Havia, sim, vigilância sobre o escritor e sobre o grupo Palmares e vários outros grupos negros no Brasil”, sustenta.
Segundo o professor Silvério, a escolha da data leva em conta que os descendentes africanos lutam no Brasil contra um regime de expropriação do seu trabalho, mas também exploração da sua cultura.
“Nós pudemos reconstituir a história do negro. O movimento se organiza a partir de uma perspectiva de que a população negra, independente do acontecimento, tem uma importância na formação social brasileira. Não dá para você entender o que é o Brasil, especialmente no sentido positivo, sem considerar a presença das culturas africanas no Estado brasileiro”, afirma Silvério.
Ele aponta que o movimento contra o preconceito, encontrando datas simbólicas, também tem por finalidade reparar o impacto na formação das crianças e jovens.
O movimento na década de 1970, segundo a professora Petronilha, também impactou o processo educacional e a luta antirracista nas salas de aula. “No século 20, eram as professoras negras que faziam nas suas classes a luta antirracista”, observa. Petronilha diz que as dificuldades têm que ser reconhecidas e analisadas para que sejam superadas.
As datas ajudam, então, a mobilizar múltiplos grupos para entender sobre assuntos que não são simples, mas que precisam de maior visibilidade. “Há uma pergunta fundamental. Que nação nós queremos? Para que nação nós trabalhamos ou estudamos? Para que nação nós, professores, pais, pessoas adultas, estamos educando?”, questiona a professora.
Segundo a pesquisadora, celebrar a data tem a finalidade de proporcionar discussões sobre a escravidão para que a violência nunca mais se repita. Mesmo assim, a realidade ainda não é completamente alterada.
“Infelizmente, sabemos que ainda hoje há pessoas trabalhando no campo praticamente em situação de escravizadas, em condições muito ruins de alojamento, alimentação, dificuldade de receber salários, medo de se deslocar, de decidir se quer ir ou ficar”, enfatiza.
Para garantir a conscientização, os pesquisadores consideram fundamental que exista o feriado [de 20 de novembro]. “É importante porque marca uma data que seja significativa para a nação ou para o projeto de nação que se tem”, acentua. Ou, como escreveu Oliveira Silveira: "batucamos no seu mapa/...quem sabe nem com isso e então vamos rasgar/a máscara do treze (de maio)/para arrancar a dívida real/com nossas próprias mãos".