“Rua da Praia que não tem praia, que não tem rio. Onde as sereias andam de saia e não de maiô (…)”. Eternizada na memória coletiva dos gaúchos de cabelos brancos (ou já escassos), os versos estão em uma das tantas odes à Porto Alegre assinadas por Alberto Bastos do Canto (1923-2004), advogado, publicitário, compositor, pianista, fotógrafo, pintor, cronista de jornal e cujo nascimento completa 100 anos nesta quarta-feira (6).
Os registros apontam para uma produção autoral de quase 200 canções, a maioria enaltecendo de lugares, personagens, fatos e aspectos do Rio Grande do Sul – especialmente de sua Capital.
Alberto residiu nos bairro Glória, Cidade Baixa, Menino Deus e Santa Tereza. Estudou no Colégio Júlio de Castilhos, depois no Instituto de Belas Artes e na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde integrou o centro acadêmico. Durante o curso, teve entre seus incentivadores musicais o então bedel Lupicínio Rodrigues (1914-1974) e foi colega de futuras personalidades como o jornalista Flávio Alcaraz Gomes (1927-2011) e o senador Paulo Brossard (1924-2015).
Naquela época, demonstrara raro talento para a criação de hinos estudantis bem-humorados, que logo evoluíram para uma obra focada em alguns dos cartões-postais da cidade, bem como em seus protagonistas e costumes. Rua da Praia. Praça 15. Rio Guaíba. Parque da Redenção. Cidade Baixa. Praça da Matriz. Chimarrão. Festa dos Navegantes. Otávio Dutra. Paulo Coelho.
Mesmo exercendo a advocacia como principal ocupação durante a maior parte de sua trajetória, foi um compositor extremamente produtivo em letra e música, trabalho compartilhado com o público pela primeira vez na trilha da peça “Coquetel Musical”, sucesso no Theatro São Pedro em 1942. Outra faceta foi a criação de jingles (loja Wollens, cervejaria Continental, desinfetante Lisoform) na agência do pai, a Star Propaganda. Atividade, aliás, que o tornou um dos desbravadores do segmento no Estado.
Uma curiosidade: em 1948, foi parceiro de Lupicínio em uma marcha sob encomenda do magazine Guaspari e que acabou recusada pela empresa, pelo conteúdo demasiadamente embebido em dor-de-cotovelo. O áudio – redescoberto décadas depois pelo jornalista Marcello Campos – sugere, na letra, que vestir os ternos vendidos na loja eram condição para o sujeito não enlouquecer de solidão pelo desinteresse da mulherada.
Sua produção de marchas, valsas, toadas e sambas-canções rendeu dois grandes concertos populares, no Theatro São Pedro (1955) e na Assembleia Legislativa (1974). Inspirou, ainda, um punhado de gravações em disco, por cantores como o riograndino Alcides Gerardi (1918-1978) e o bageense Marcus Miranda (1936-1988), ambos de projeção nacional. É deste último o compacto duplo “Férias em Porto Alegre”, lançado em 1964 pela gravadora RGE e que destacava quatro faixas de Alberto orquestradas pelo também gaúcho Manfredo Fest (1936-1999).
Permanência
Alberto do Canto virou saudade em 31 de março de 2004, aos 80 anos, vítima de complicações relacionadas ao diabetes. Deixou a esposa Elvira e nove filhos: Maria Margarida, Heloísa, Isabel, Stella Maris, Alberto Filho, Jorge Arthur, Ligia, Laura e João Inácio. Nenhum deles músico profissional, mas todos zelosos pela memória do pai e cada qual homenageado pelo artista com uma canção.
A obra permanece aberta ao interesse das novas gerações. Em 2017, o jovem violinista, seresteiro, professor e produtor musical gaúcho Mathias 7 Cordas – um entusiasta da Velha Guarda da cidade – escolheu o belíssimo samba-canção “Cidade Baixa” para o repertório do CD “Falso Folião”, que marcou sua estreia fonográfica. “Tuas casas antigas, parecem doces cantigas de um tempo bom que passou”, diz um dos trechos da letra saudosista composta na década de 1950. “Volto pra casa tristonho, a gente não vive de sonho”.
(Marcello Campos)
Créditos do texto/imagem: Jornal O Sul