A 4ª Vara Federal de Porto Alegre condenou o governo federal ao pagamento de indenização de R$ 79,2 mil por danos morais à viúva do ex-presidente da República João Goulart, o Jango, Maria Thereza Goulart, devido à perseguição política e ao exílio sofridos por ela e seus filhos durante o regime militar.
Segundo informações divulgadas na terça-feira (9) pela Justiça Federal gaúcha, a ex-primeira dama ingressou com a ação narrando que o marido tinha uma carreira bem-sucedida no ramo agropecuário e também na política, tendo sido deputado federal, ministro do Trabalho de Getúlio Vargas e vice‐presidente eleito nos governos de Juscelino Kubitschek e de Jânio Quadros. Contou que, em 1961, com a renúncia deste último, Jango assumiu a Presidência e foi deposto em 1964, após o golpe de Estado promovido pelas Forças Armadas.
A ex-primeira-dama pontuou que, naquela época, seus filhos tinham 6 e 8 anos e que, em 1º de abril de 1964, foram retirados às pressas da Granja do Torto e embarcados em um avião da Força Aérea Brasileira para Porto Alegre, com bagagem mínima, deixando a maioria de seus pertences para trás. Segundo ela, seu patrimônio, que incluía jóias e roupas de marca, não foi mais rastreado, tendo sido saqueado logo após a sua saída de Brasília. O rebanho de gado das suas fazendas também foi roubado, além de seus ativos pessoais.
A viúva ainda relatou que ela e seus familiares foram obrigados a sair do Brasil, indo buscar exílio no Uruguai, onde viveram até 1973, quando um golpe de Estado também foi instaurado no país. A família, então, foi para a Argentina, mas, em 1975, começaram as atividades da Operação Condor e, no ano seguinte, um novo golpe de Estado instaurou-se no país vizinho. Maria Thereza afirmou que as tensões aumentaram com a descoberta de um plano para sequestrar seus filhos. Assim, eles foram enviados para Londres, na Inglaterra, onde seu neto nasceu. Ela destacou o período de dificuldades, incertezas e saudades que se agravou com o falecimento de Jango.
Em sua defesa, a União ressaltou que a autora não sofreu prisões, torturas ou agressões pelo Estado Brasileiro e que ela já afirmou, em outras ocasiões, que a vida no exterior era confortável até que se instalaram regimes ditatoriais naqueles países. Alegou ainda que a viúva, em entrevista para um telejornal, teria admitido que, mesmo no exílio, não havia sofrido grandes privações econômicas.
Direito de personalidade
Ao analisar o caso, o juiz federal substituto Bruno Risch Fagundes de Oliveira pontuou que o dano moral decorrente do exílio por motivação exclusivamente política envolve injusta privação dos direitos da cidadania. Ele afirmou que a suspensão dos direitos políticos do então presidente destituído “transcendeu os limites de sua própria esfera de direitos, impactando diretamente sua esposa e mãe de seus dois filhos”.
“O grupo familiar do ex-presidente, como um todo, teve de suportar os danos decorrentes de tal ato de exceção, que se iniciaram com a fuga do território nacional e tiveram desdobramentos ao longo de mais de uma década e meia de perseguição política, assim reconhecida no processo administrativo que tramitou na Comissão de Anistia do Ministério da Justiça”, afirmou o magistrado.
O juiz destacou que a “documentação pública que integra o Arquivo Nacional demonstra que, mesmo fora dos limites do território nacional, o Estado Brasileiro manteve, por meio de cooperação com outros países, controle e vigilância ostensiva sobre o ex-presidente João Goulart. No contexto fático ocorrido e historicamente reconhecido, tenho que o ilegítimo monitoramento do ex-presidente durante todo o exílio, por motivação exclusivamente política, inexoravelmente se estendeu à sua esposa, pois indissociável a vigilância da vida privada de um e de outro”.
O magistrado entendeu estar caracterizado o dano aos direitos da personalidade da autora da ação. Cabe recurso da decisão ao TRF4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região).
Créditos do texto/imagem: Jornal O Sul