O presidente Luiz Inácio Lula da Silva(PT) avançou com as estratégias de retomada das relações com o ditador da Venezuela, Nicolás Maduro. Um dos objetivos da diplomacia brasileira, sob o novo governo, é colocar o Brasil como observador das próximas eleições presidenciais da Venezuela, para tornar o petista um “protagonista” no processo de negociação entre o regime chavista e a oposição. A negociação da dívida em atraso da Venezuela com o Brasil, de mais de US$ 1 bilhão, e as políticas ambientais para a Amazônia também são pontos importantes nesta nova fase da relação entre os dois países.
Dois movimentos importantes para o avanço destas pautas ocorreram na semana passada: a visita do assessor especial de Lula para Assuntos Internacionais, Celso Amorim, a Caracas; e a vinda de integrantes do regime de Maduro ao Brasil para uma reunião com o governo brasileiro. A retomada das relações prevê ainda a reabertura da embaixada brasileira em Caracas no primeiro semestre.
Feita a pedido de Lula, a visita de Amorim a Maduro na última semana foi mantida sob sigilo por parte do Palácio do Planalto – o que vem sendo criticado pela oposição. A agenda só se tornou pública depois que o ditador venezuelano publicou uma foto pelas rede sociais.
“Tive um agradável encontro com a Delegação da República Federativa do Brasil, chefiada por Celso Amorim. Estamos empenhados em renovar nossos mecanismos de união e solidariedade que garantam o crescimento e o bem-estar da Venezuela e do Brasil”, escreveu Maduro. A emissora estatal venezuelana VTV transmitiu imagens do encontro de Maduro com o assessor especial de Lula, destacando que a visita buscou “acentuar as relações diplomáticas” entre os países. Para Maduro, esse tipo de exposição é importante pois serve para dar um verniz de legitimidade ao regime perante a audiência venezuelana.
De acordo com assessores do Planalto, a viagem, que durou cerca de 24 horas, tinha como objetivo ampliar as relações bilaterais e debater a crise política e humanitária dos venezuelanos. Aliados de Lula estão tentando costurar um acordo para que o Brasil atue com um observador internacional do processo eleitoral da Venezuela.
Além do encontro com Maduro, integrantes do Planalto indicaram que Amorim também esteve reunido com lideranças da oposição ao regime ditatorial. Entre eles, o assessor teve um encontro com o advogado Gerardo Blyde, um dos líderes da Plataforma Unitária, a coligação de oposição, e que vem sendo responsável pelas negociações reabertas entre governo e oposição, desde o final do ano passado.
As eleições, previstas para ocorrerem em maio de 2024, vem sendo acompanhadas por diversos países, como Estados Unidos, México e Noruega. Segundo integrantes do governo Lula, a oposição ao regime de Maduro já sinalizou que não pretendem adotar um movimento para interromper o atual mandato do ditador. No entanto, trabalham para viabilizar uma eleição que dê condições legítimas para que diferentes partidos possam concorrer – o que não correu nos últimos pleitos realizados no país vizinho.
Recentemente, o chefe da delegação do governo da Venezuela, Jorge Rodríguez, condicionou qualquer acordo relativo às eleições à suspensão de todas as sanções internacionais contra seu país. O governo dos Estados Unidos impõe sanções a membros do governo venezuelano desde 2015, intensificadas em 2019 com ações diretas contra setores da economia, como o petróleo. As ações foram ampliadas após a reeleição de Maduro em 2018, em eleições consideradas fraudulentas pela comunidade internacional e pela oposição.
“A Venezuela não vai assinar nenhum acordo com esse setor da oposição até que esteja 100% livre de sanções, até que sejam levantadas as 765 medidas coercitivas unilaterais assinadas por Donald Trump e Barack Hussein Obama”, afirmou.
A avaliação de integrantes do governo Lula é de que o petista pode assumir um protagonismo nesse processo de tentativa de retomada da democracia na Venezuela. Ainda durante a transição, aliados do presidente já defendiam que ele poderia ter um papel determinante na construção da nova relação entre o governo norte-americano e o ditador Nicolás Maduro.
Porém, na avaliação de Marcio Coimbra, professor de pós-graduação em Relações Institucionais e Governamentais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília (FPMB), o governo Lula não tem legitimidade internacional para ser um dos articuladores do processo eleitoral da Venezuela.
“O Brasil não tem a capacidade de fazer isso, e também não tem a legitimidade de fazer isso. Isso deve ser feito por organismos internacionais, jamais por um outro país”, defende.
Após a visita de Amorim a Caracas, Maduro enviou uma delegação a Brasília na última sexta-feira (10) para um série de encontros com integrantes do governo Lula. Uma das agendas envolveu o Ministério da Saúde e teve como foco a saúde do povo Yanomami que vive na fronteira do Brasil com a Venezuela.
De acordo com a pasta, foram discutidas iniciativas nas áreas de combate à malária, tuberculose e HIV; fortalecimento de ações de cobertura vacinal; desnutrição e insegurança alimentar; saneamento; e saúde materno-infantil. A delegação venezuelana foi chefiada pelo Vice-Ministro para América Latina da chancelaria, Rander Peña, que foi recebido pela Secretária-Geral das Relações Exteriores, Embaixadora Maria Laura da Rocha.
“A reunião sobre saúde na fronteira, organizada conjuntamente pelo Itamaraty e pelos ministérios da Saúde e dos Povos Indígenas, constituiu o primeiro encontro bilateral voltado para a cooperação em setor específico, no marco do processo em curso de normalização das relações entre os dois países”, informou o Itamaraty.
Lula também espera trazer Maduro para o debate sobre o desmatamento na Amazônia. Em evento em Roraima nesta segunda-feira (13), ele disse que quer se reunir, ainda neste ano, com o ditador e presidentes de outros países da região para discutir “como é que a gente vai cuidar das florestas e para que a gente possa transformar a riqueza da biodiversidade de toda região amazônica em benefício para milhões de pessoas que moram na Amazônia”.
A questão ambiental e dos povos indígenas é um ponto sensível para a ditadura de Maduro. Lá, o garimpo ilegal também é um problema grave. Segundo relatório de 2022 da ONG venezuelana SOS Orinoco, a mineração ilegal em terras indígenas no país vizinho está aumentando em “ritmo alarmante”, e a maioria dos garimpeiros são provenientes do Brasil.
No mesmo relatório, a organização criticou a “cumplicidade” das forças armadas da Venezuela em relação ao garimpo ilegal na região do Alto Orinoco, no estado do Amazonas (VE). “A ação dos garimpeiros é possível graças à ausência de vigilância e controle por parte do Estado venezuelano, mas sobretudo, devido à cumplicidade dos membros da FANB [Força Armada Nacional Bolivariana]”.
A dívida da Venezuela com o Brasil chegou, em dezembro do ano passado, a marca de pouco mais de US$ 1,2 bilhão, o equivalente a pouco mais de 6,3 bilhões de reais. O montante é referente aos acordos fechados entre a ditadura venezuelana e empresas brasileiras, durante os governos do PT, para a contratação de serviços de engenharia do Brasil, além de empréstimos para a compra de aeronaves, carnes e lácteos.
As parcelas, no entanto, deixaram de ser pagas em 2017 e, desde então, nunca houve uma sinalização da retomada dos pagamentos. Em entrevista ao jornal O Globo, Amorim afirmou que a dívida foi pauta do encontro com Maduro, e que o ditador venezuelano indicou a intenção de “equacionar” o problema.
“Maduro se comprometeu a equacionar a questão da dívida. Claro que não vão pagar tudo de uma vez. Foi um pouco mais do que ‘devo, não nego, pagarei quando puder’. Foi um devo e quero pagar. Não houve conversa sobre isso com o governo Bolsonaro que, aliás, queria que eles não pagassem para usar isso. Acho que será pago normalmente”, afirmou o assessor especial.
O governo do ex-presidente Jair Bolsonaro cobrou a dívida da Venezuela, mas os ofícios eram enviados à ex-embaixadora Maria Teresa Belandria, representante do governo de Juan Guaidó, legitimamente reconhecido pelo Brasil entre 2019 e 2022.
Para o senador Izalci Lucas (PSDB-DF), o Congresso precisa adotar uma fiscalização rigorosa para que a volta das relações diplomáticas com Maduro não resulte em novos empréstimos para financiar obras na Venezuela.
“Se esse entendimento [com a Venezuela] for no sentido de buscar um acordo para receber a dívida ou de alguma forma de compensação, tudo bem. Agora se for no sentido de financiar mais coisas para fora, nós vamos precisar ampliar a fiscalização. O que a gente precisa é de mais transparência nessas agendas”, defendeu o senador do PSDB.
Gazeta do Povo
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