Presidente russo e uma funcionária do governo são acusados de deportar ilegalmente crianças de áreas ocupadas na Ucrânia. A Rússia não reconhece o estatuto do tribunal.
Juízes do Tribunal Penal Internacional (TPI) em Haia emitiram nesta sexta-feira (17)mandados de prisão para o presidente russo, Vladimir Putin, e para a Comissária para os Direitos da Criança da Rússia, Alekseyevna Lvova-Belova, por crimes de guerra em áreas ocupadas na Ucrânia.
A Câmara de Pré-Julgamento II do TPI considerou que os dois acusados são possivelmente responsáveis pelo crime de guerra de deportação ilegal de criançasde áreas ocupadas da Ucrânia para a Rússia, segundo comunicado do TPI.
“O Sr. Vladimir Vladimirovich Putin, nascido em 7 de outubro de 1952, Presidente da Federação Russa, é alegadamente responsável pelo crime de guerra de deportação ilegal de população (crianças) e de transferência ilegal de população (crianças) de áreas ocupadas da Ucrânia para a Federação Russa”, diz a nota.
Desde o início da guerra na Ucrânia, que completou um ano em 24 de fevereiro, a Rússia vem sendo acusada por organizações não-governamentais, por Kiev e até por uma investigação da Organização das Nações Unidas (ONU) de sequestrar crianças em regiões ucranianas tomadas pelo Exército do país e levá-las centros de “reeducação” em território russo.
O TPI também emitiu um mandado de prisão para a Maria Alekseyevna Lvova-Belova, Comissária para os Direitos da Criança do Escritório da Presidência da Federação Russa. Ela é acusada dos mesmos crimes de Putin.
“Existem motivos razoáveis para crer que Lvova-Belova tem responsabilidade penal individual pelos crimes referidos, seja por ter cometido os atos diretamente, em conjunto com terceiros ou através de outros”, diz a nota.
Segundo a Câmara de Pré-Julgamento II, esse tipo mandado de prisão costuma ser secreto, mas nesse caso foi divulgado para sensibilização do público aos crimes cometidos, principalmente porque é um crime que ainda está em andamento.
Presidente da Rússia, Vladimir Putin, durante reunião em Moscou no dia 3 de janeiro de 2023 — Foto: Sputnik/Aleksey Babushkin/Kremlin via REUTERS
O próprio Kremlin já admitiu o envio dos jovens ucranianos à Rússia, mas alega tratar-se de órfãos. O governo russo chamou a decisão do TPI de “sem sentido”.
“As decisões do Tribunal Penal Internacional não têm sentido para o nosso país, inclusive do ponto de vista jurídico”, declarou a porta-voz da diplomacia russa, Maria Zakharova.
O conselheiro de Segurança do país e ex-presidente russo, o polêmico Dmitry Medvedev, ironizou a decisão. Em uma publicação no Twitter, disse: “O Tribunal Penal Internacional emitiu um mandado de prisão contra Vladimir Putin. Não é preciso explicar onde esse papel será usado”, escreveu Medvedev, que, ao lado da frase, colocou um emoji com o desenho de um rolo de papel higiênico.
O Ministério de Relações Exteriores russo replicou a mensagem de Medvedev – famoso por lançar ameaças contra o Ocidente e frases polêmicas.
Lvova-Belova se pronunciou sobre o mandado de prisão e disse achar “ótimo que o TPI reconhece meu trabalho para ajudar as crianças desse país (Ucrânia)”.
Apesar do mandado contra Putin e Lvova-Belova, o TPI não tem poderes para prender suspeitos e só pode exercer jurisdição em países que assinaram e ratificaram o acordo que criou o tribunal – o Brasil é um dos signatários.
A Rússia não ratificou o acordo. Portanto, é improvável que os dois sejam extraditados.
Na terça-feira (13), antes da publicação dos mandados, a Rússia já havia alertado que não reconhece o TPI em Haia. Isso porque uma reportagem do jornal “The New York Times” do mesmo dia afirmou que o Tribunal de Haia estudava abrir processos contra Putin por crimes de guerra, entre eles o de sequestro de menores.
“Não reconhecemos este tribunal e não reconhecemos a jurisdição do tribunal. É assim que nos sentimos sobre isso”, disse o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, quando questionado sobre como o governo russo via potenciais ordens do órgão internacional em relação à guerra na Ucrânia.
A comissária russa para os Direitos da Criança, Maria Lvova-Belova, participa de uma reunião em Moscou, Rússia, em 16 de fevereiro de 2023 — Foto: Mikhail Metzel/Sputnik via AP
“Ao longo dos anos, nem as [instituições] judiciais internacionais, mesmo aquelas que não reconhecemos, nem outros membros da comunidade internacional se preocuparam em prestar atenção à destruição de infraestrutura civil e assassinatos de civis cometidos por nacionalistas ucranianos em Donbass”, disse Peskov.
Segundo o mestre em relações internacionais pelas Universidades de Estrasburgo, na França, e Groningen, na Holanda, Uriã Fancelli, “esse sistema internacional de Justiça tem algumas fragilidades, porque não existe, por exemplo, uma organização ou polícia com poder de força para entrar na Rússia e prender o Putin. Um desafio é o fato de a Rússia não ser signatária do Tribunal Penal Internacional.”
“Esse mandado de prisão tem um valor simbólico. Para ele ser preso, na prática, Putin precisaria estar em outro país que fosse signatário desse acordo do Tribunal Penal Internacional”, disse Fancelli ao g1.
O Tribunal Penal Internacional, criado com base no Estatuto de Roma de 1998, não faz parte das Nações Unidas e se reporta aos países que ratificaram (ou seja, adotaram internamente como lei) esse documento. Entre os países que não são membros do estatuto do tribunal estão a Rússia (que assinou, mas não ratificou o documento), os Estados Unidos (que assinou o estatuto, mas retirou a assinatura posteriormente) e a China (não assinou).
Em novembro de 2016, Putin assinou uma ordem dizendo que a Rússia não planeja se tornar membro do TPI. De acordo com o Ministério das Relações Exteriores russo, o tribunal não conseguiu se tornar um órgão de justiça internacional verdadeiramente independente e confiável, informa a agência Tass.
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