“Era final de fevereiro de 2017. Em Carolina (cidade pequena no Sul do Maranhão), estava tendo carnaval e, como o Erivelton era prefeito, estava ocupado quando eu liguei. Disse que estava grávida. Ele respondeu que estava em meio à correria por conta da festa, mas que me ligaria mais tarde. A gente costumava se falar por videochamada. Naquele momento, já desconfiada da gravidez, eu tinha feito testes de farmácia e de sangue, que deram positivo.
Como ele trabalhou no hospital de Augustinópolis, no Tocantins, tinha um aparelho de ultrassom portátil. Sempre andava com o aparelho. Eu mesma já tinha pedido para fazer em mim. Uma vez, no hotel que costumávamos frequentar, ele viu meu fígado, por exemplo. Quando nós marcamos para fazer o exame, não tinha nada de diferente: a maleta preta com o aparelho e uma bolsa em que ele levou o sedativo, anestesia, até hoje não sei exatamente o quê. Quando me examinou, não disse o tempo de gestação. Mas, geralmente, quando a mulher descobre que está esperando um filho, já está quase indo para o segundo mês.
O exame não seria só para ver o bebê. Como eu tinha alguns sintomas como febre, ele também tiraria sangue para ver se eu estava doente. Na época, estavam acontecendo muitos casos de Chikungunya e Zika no Brasil. Uma das coisas que me deixa muito abalada até agora é o julgamento das redes sociais. As pessoas perguntam: como ela deixou uma pessoa introduzir uma coisa para retirar o sangue? Por que ela não fez exame em laboratório?
Mas o exame no motel não seria para constatar a gravidez, porque eu já tinha feito isso. Inclusive, antes de encontrar com ele, eu tinha ido a um obstetra e já havia começado a fazer o meu pré-natal. Tinha até carteirinha de gestante. Mas, pelo fato de o pai ser médico, pensei: não tenho necessidade de fazer os exames, sendo que ele pode fazer tudo. (Erivelton Teixeira Neves é médico mas não tem registro como obstetra no CRM de Tocantins nem do Maranhão).
Tudo parecia ir bem até que ele me aplicou as injeções. Eu só me lembro de acordar cinco horas depois, meio grogue, num carro que ele dirigia. Eu estava no banco carona e o motorista dele (Lindomar da Silva Nascimento, que depois se elegeu vereador) atrás. A partir daí, ele roubou a carteirinha de gestante de dentro da minha casa. Também roubou o exame de sangue, que constatava minha gravidez. Claramente tentou não deixar rastro nenhum de que eu estava grávida.
No encontro que tive com ele após o aborto feito no motel, que imaginava ter sido um ultrassom, resolvi fazer a denúncia. Ali, me senti ameaçada. Sabia que, se eu não o denunciasse, mais alguma coisa poderia acontecer comigo. Eu falei: quando eu sair daqui, você pode ter certeza que eu vou fazer a denúncia. Se você tiver a intenção de me matar, me mate antes de eu chegar à minha cidade. Porque, quando eu chegar, eu vou fazer a denúncia.
E fiz como prometi. A própria delegada do caso disse que não cabia dúvidas sobre a ocorrência do crime. Apesar disso, ele foi reeleito. Na minha opinião, a população da cidade não tem escrúpulos, como ele. Uma reportagem com a história do que aconteceu, inclusive apresentando provas contundentes, saiu antes da eleição e, mesmo assim, o reelegeram. Não sei o que essas pessoas têm na cabeça para acreditar nele, e não em mim.
O que eu espero, desde o princípio, é que a Justiça demonstre que não existe apenas para incriminar pessoas pobres, que a lei existe para todos. No Brasil, infelizmente, protege políticos, protege ricos. Um pai de família que rouba um leite no supermercado vai preso, e um homem que mata o próprio filho está há tantos anos vivendo a vida normalmente, como se nada tivesse acontecido.
A relação com a minha família também foi afetada e mudou um pouco. Meu pai e minha mãe foram expostos em rede nacional. Eles ficaram sabendo da gravidez na época, mas não tive coragem de contar sobre o aborto. Ficaram sabendo quando saiu uma reportagem, há dois anos, relatando os detalhes da denúncia. Antes que lessem, liguei para eles e eu mesma contei tudo. Tudo que vivi tinha guardado para mim, porque eu sentia vergonha.
A defesa de Erivelton e de Lindomar não responderam aos pedidos de entrevista do jornal.