Foto: Reprodução/Forbes.
O homem que mais vende papéis para enrolar no mundo é exatamente quem você pensa que é ou não. Sim, ele saiu com Hunter S. Thompson (jornalista e escritor), festejou na mansão Playboy, perdeu o carro enquanto estava chapado e teve seu armazém invadido pelos federais. Ele também fez lances no time de basquete Chicago Cubs com o bilionário Mark Cuban e produziu um punhado de filmes, incluindo o longa de terror de Stephen King de 1986, Maximum Overdrive. Embora ele seja dono de marcas icônicas conhecidas por maconheiros em todo o mundo – como EZ Wider, Zig-Zag, OCB e JOB – ele não fuma maconha de verdade. Nem mesmo sabe como enrolar um baseado.
“Eu era o cara que fumava um baseado e ficava no canto babando”, diz Don Levin, fundador de 72 anos da D.R.L. Enterprises, dona da Republic Brands. “Eu ficava em coma. Isso me matou; me sentia a pessoa estranha.” Felizmente para Levin, milhões de outros usuários de cannabis sabem como enrolar um. Além das marcas de papel de enrolar, Levin também é dono das fábricas que transformam cânhamo, madeira, bambu e arroz em papel, bem como da fábrica que transforma esse papel em livretos para venda – tudo o que o tornou um bilionário.
A Forbes estima que Levin, dono de 100% da Republic por meio da D.R.L. Enterprises, junto com sua esposa e filho, valem pelo menos US$ 1,7 bilhão (R$ 8,5 bilhões). E, apesar de ser um membro do clube de dez dígitos – ele possui duas casas (uma em Phoenix, a outra em Highland Park, Illinois), um jato particular e um time de hóquei no gelo de Chicago na liga de desenvolvimento da NHL –, Levin passou despercebido até agora.
A Republic produz mais de 1,2 bilhão de livretos de papel para enrolar por ano, o que Levin diz, enquanto faz algumas contas mentais rápidas, equivaler a 5,95 milhões de quilômetros de papel. Uma de suas marcas mais famosas, a EZ Wider, foi criada pelo ex-bilionário Bob Stiller – que construiu a Green Mountain Coffee e a Keurig – e Burton Rubin. Stiller lembra que quando vendeu a empresa para a Rizla, em 1981, por US$ 6,2 milhões (R$ 30,9 milhões), ela produzia papel suficiente para circunavegar a Terra nove vezes. As fábricas de Levin agora produzem papel de enrolar suficiente para embrulhar o planeta 150 vezes por ano.
“Somos o maior fabricante de papéis para enrolar do mundo”, diz Levin durante um dia de 38 graus em sua casa no bairro de Biltmore, em Phoenix, com seu visivelmente nervoso poodle mestiço chamado Claude a seus pés. “Somos toda a cadeia de suprimentos.”
O papel tem sido um bom negócio com altas margens. Mas a indústria global de papel para enrolar é opaca e nebulosa; mesmo os analistas que cobrem as empresas de tabaco e cannabis não têm uma imagem clara de seu tamanho e escopo. Uma das razões pelas quais este é um mercado difícil de rastrear é que a maioria das fábricas é de propriedade privada em muitos países.
A Republic controla cerca de um terço do mercado norte-americano de papel para enrolar com as marcas E-Z Wider, OCB, JOB e Top. A Turning Point Brands, com sede em Kentucky, que licencia o direito de vender Zig-Zag nos EUA e no Canadá, e a HBI International, com sede no Arizona, que produz a marca de papel para enrolar Raw, também têm cerca de um terço de participação de mercado. O total de vendas no atacado na América do Norte é estimado em cerca de US$ 550 milhões (R$ 2,74 bilhões) por ano. As vendas globais são estimadas entre US$ 2 bilhões (R$ 10 bilhões) e US$ 3 bilhões (R$ 15 bilhões) anualmente.
Levin não discute finanças, mas a Forbes estima que a Republic gera US$ 230 milhões (R$ 1,14 bilhão) em fluxo de caixa com uma receita estimada de US$ 650 milhões (R$ 3,25 bilhões) – uma margem Ebitda de 35%. A diretora de receita da Republic – apropriadamente chamada de Rebecca Roll – resume por que a indústria de papel para enrolar é um negócio tão bom:
“Vendemos algo que as pessoas colocam no fogo”, diz Roll. “Você só pode queimá-lo uma vez.”
Caixa surpresa
Levin, que geralmente usa camisas de golfe (embora não jogue) e tênis, cresceu muito longe de onde está agora: bebendo uma boa taça de vinho branco em um restaurante premiado no centro de Scottsdale, a apenas alguns minutos de sua casa de US$ 4,5 milhões (R$ 22,5 milhões). Ele cresceu no bairro de Albany Park, em Chicago, na década de 1950, com um pai que era “o mais honesto” vendedor de carros usados. Quando Levin tinha 14 anos, a concessionária de seu pai teve problemas e a família teve que se mudar. “Perdemos tudo”, diz Levin. “Eu tenho sido rico. Eu tenho sido pobre. E é melhor ter dinheiro.”
No final da década de 1960, após um período na reserva do Corpo de Fuzileiros Navais, Levin participou de um programa de treinamento da General Motors para se tornar um revendedor de automóveis. Ele não fez faculdade, mas sempre trabalhou e descobriu que era ótimo vendendo carros. Sua travessura favorita para fechar um negócio com alguém que achava o preço muito alto, diz ele, era chamar o chefe, que o demitiria na frente do cliente – a coisa toda era uma encenação – e geralmente funcionava.
Mas esse filho de um vendedor de carros usados tinha ambições maiores. No início dos anos 1970, um amigo de infância chamado Sheldon Miller contou a Levin sobre uma loja especializada em moda chamada Adams Apple no Rogers Park de Chicago que estava à venda. “Era uma butique, pensei, e vendia jeans boca de sino e música inglesa”, diz Levin. Eles compraram a loja, conhecida por seu letreiro psicodélico, e todo o seu estoque – exceto uma caixa de sapatos cheia de papéis para enrolar. “Eu nunca tinha visto papéis de cigarro antes e não os queria”, lembra Levin. Em três dias, ele percebeu que a maioria de seus clientes os procurava por causa daqueles papéis. “Liguei para o dono anterior e comprei a caixa”, diz Levin. “Percebi que havíamos comprado uma tabacaria.”
Para reabastecer seu estoque de papel para enrolar, Levin teve que enviar dinheiro para um distribuidor em Nova York e alguns meses depois eles receberiam uma nova remessa de papel fabricado na Espanha. Ele descobriu que o distribuidor estava coletando dinheiro de diferentes varejistas, fazendo um pedido e vendendo com uma grande margem de lucro. “Achei que também poderia fazer isso, então pulei em um avião”, diz ele. “O problema era que eu tinha que comprar muito, muito mais do que poderia vender em uma loja de 800 metros quadrados.” Miller e Levin acabaram se separando em 1971 e Levin partiu sozinho – a Adams Apple Distributing Co. foi formada. Ele logo estava fazendo grandes encomendas de papéis para enrolar e depois viajando pelo meio-oeste vendendo para tabacarias.
Certa vez, durante uma viagem de trem da Espanha para a Holanda, com escala em Paris, Levin resolveu passar no escritório da Zig-Zag. Seu plano era convencê-los a romper seu relacionamento exclusivo com a U.S. Tobacco. Mas acidentalmente desceu do elevador no andar errado e se viu conversando com o gerente de exportação da JOB, marca criada em 1838 por Jean Bardou, que inventou o livreto de papel para enrolar. Antes de sair, o gerente disse a Levin que eles tinham 5.000 caixas de papel de enrolar com sabor de banana e morango e, se ele concordasse em comprá-los, a JOB ficaria feliz em fazer de Levin seu distribuidor exclusivo nos Estados Unidos. Ele aceitou o acordo e a JOB se tornou a primeira marca exclusiva da Adams Apple.
Logo os clientes de Levin começaram a pedir outras parafernálias de maconha, como clipes e cachimbos. “Não sei o que é um bong, mas podemos conseguir”, ele lembra de dizer aos clientes. Ele começou a publicar um catálogo e anunciar no High Times e seu negócio cresceu durante a década de 1970.
“Nós nos tornamos uma loja de parafernálias”, diz Levin sobre seus primeiros dias no negócio. “Foi muito divertido.”
No final dos anos 1970, Levin estava arrecadando US$ 10 milhões (R$ 50 milhões) em receita anual (o equivalente a cerca de R$ 250 milhões hoje), segundo uma reportagem do The New York Times de 1978. Naquela época, o governo federal havia começado a aplicar leis para restringir produtos de maconha, que visavam bongs e cachimbos de maconha, mas não papel de enrolar, e Levin viu seus amigos e colegas do setor passarem para o lado errado da lei. “Uma pessoa que eu conhecia pegou 104 meses de prisão”, diz ele. “Eu disse: ‘Ok, estou fora.’ E paramos de vender tudo, exceto os papéis para enrolar.” Ele se livrou de todo o seu estoque e, algumas semanas depois, seu depósito em Chicago foi invadido pelo Departamento de Álcool, Tabaco e Armas de Fogo e pela polícia de Illinois, mas não encontraram nada além de papéis para enrolar.
Na década de 1980, Vincent Bolloré, jovem herdeiro de uma fortuna na fabricação de papel e dono das marcas Odet-Cascadec-Bolloré, mais conhecidas como OCB, comprou a Zig-Zag e a JOB. Mais tarde, sob o comando de um novo gerente de fábrica, os trabalhadores planejaram uma greve, então Levin foi para a França, disse a Bolloré como estava bagunçando o negócio e instou o novo dono a vender a empresa para ele. Os dois acabaram se dando bem, mas o francês explicou que o “B” de OCB significava Bolloré – sua família havia fundado a empresa em 1822 e ele jamais venderia. “Mas, se eu fizer um dia”, disse Bolloré, “vendo para você”.
Durante a era Just Say No (campanha publicitária dos anos 1980 e início dos 1990 nos EUA contra as drogas), Levin decidiu que era melhor mudar o nome de sua empresa para remover qualquer vestígio de suas raízes da contracultura. Depois de ver uma placa em um aeroporto anunciando que a Southern Airways estava mudando seu nome para Republic Airlines, ele teve uma epifania. “Existe a U.S. Tobacco”, ele se lembra de ter pensado, “existe a National Tobacco, mas não existe a Republic Tobacco. Parecia uma empresa antiga e séria.”
Imprimindo dinheiro
Em 2000, Bolloré, que se tornaria bilionário alguns anos depois, decidiu mudar sua empresa do papel para o plástico, e estava pronto para vender a OCB para Levin. “Achei que Don era o melhor para assumir e ele provou isso”, diz Bolloré, de 71 anos. Levin também comprou suas fábricas de papel, Papeteries du Léman e Papeteries des Vosges.
Em vez de comprar no atacado, Levin agora controlava a fabricação de papel, a produção de livretos e a distribuição. “Se não fosse por Bolloré, eu estaria vendendo lápis”, diz Levin. “Eu comprei o que Bolloré fez. Não é que eu seja inteligente, sou apenas inteligente o suficiente para continuar.
Com as marcas de Bolloré agora fazendo parte do império de Levin, a Republic continuou a crescer e ele executou uma estratégia de consolidação com outras grandes marcas de papel. Ele havia comprado o Top, que era popular nas cadeias e prisões, de R.J. Reynolds anos antes. E em 2018, comprou a Bali Shag, marca de tabaco de folhas soltas, e o icônico E-Z Wider, da Imperial. Os termos do acordo não foram anunciados na época.
Larry Posner, que havia trabalhado para Stiller na EZ Wider e depois foi trabalhar para “Donnie” na Republic, como vice-presidente de vendas, diz que seu antigo chefe é de uma época diferente. Na cabeça de Posner, a Republic não estava no negócio de papel de enrolar, nem nas indústrias de tabaco ou cannabis.
“Não estávamos imprimindo em papel”, diz Posner. “Estávamos imprimindo dinheiro.”
Apesar de não ser um fumante de maconha, Levin entende seus clientes. “O que você está tentando vender, se estiver fazendo um bom papel de enrolar, não é um gosto”, diz ele. “O que estamos tentando fazer é algo que seja o menos perceptível possível.”
E se você está vendendo um produto sem sabor, o marketing é tudo. Litígios de marcas registradas são uma parte essencial da estratégia da Republic. Não há muito que eles possam fazer sobre os milhões de dólares desviados do mercado por falsificadores na China, mas os piratas dos EUA devem ficar atentos. Em março de 2022, a Republic ganhou um julgamento de US$ 11 milhões (R$ 55 milhões) após o júri ficar contra um atacadista da Geórgia que estava vendendo produtos Top e JOB falsificados. A Republic gasta “milhões por ano” em processos semelhantes, diz Levin.
Embora tenha relações de trabalho com muitos de seus concorrentes, a maioria deles considera Levin “agressivo” e disposto a lutar. A Republic processou outras empresas do mercado por disputas contratuais, de marca registrada e de pagamento, incluindo a célebre marca Bambú. Só nos últimos quatro anos, sua empresa entrou com quase 150 ações judiciais.
Talvez a rivalidade mais longa de Levin seja com Josh Kesselman, cujo HBI International criou a mega-popular marca Raw. Os dois processam as empresas um do outro há quase uma década e sua rivalidade remonta a 20 anos. Levin não quis comentar sobre nenhum litígio em andamento, mas falando amplamente, ele diz que a indústria de papel para enrolar é composta de “carpetbaggers” (termo que remete a oportunistas, em português) e “vendedores de óleo de cobra” (remete a charlatões, que vendem produtos ineficientes).
Levin também minimiza seu próprio sucesso no último meio século. “Eu certamente não sou o rei dos papéis para enrolar”, diz ele. “Isso deu muito trabalho para muitas pessoas e, para mim, receber o crédito seria errado e um insulto.”
Mas depois de várias décadas no comando do que agora é um império de US$ 1,7 bilhão (R$ 8,5 bilhões), Levin está pensando em seu sucessor e em seu legado na indústria. Seu filho, Robert, um advogado tributário de trinta e poucos anos, provavelmente não vai assumir. “Ele não é empreendedor”, diz Levin. Ele acrescenta que não venderá para uma firma de private equity porque ela destruiria a maioria de seus funcionários para aumentar os lucros. “Vou morrer e ter esta empresa administrada por uma administração externa antes de vendê-la para alguém que tente racionalizá-la”, diz ele.
Uma coisa que Levin não tenta racionalizar é o passeio selvagem que a indústria de papel de enrolar lhe deu. “Onde estou hoje não é onde eu esperava estar”, diz ele. “Achei que venderia carros na Western Avenue, em Chicago.”
Créditos: Forbes.
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