HELSINQUE, FINLÂNDIA (FOLHAPRESS) - Antes que o Centro de Desenvolvimento de Habilidades para Mulheres Afegãs recebesse o Prêmio Internacional de Equidade de Gênero, uma iniciativa do governo da Finlândia, representantes da premiação precisavam se reunir com um membro da organização. Quem participou da reunião por videoconferência foi Mahbouba Seraj, 75, diretora executiva da entidade. Ao seu lado, bem exposto no quadro, um membro do Talibã.
A história foi relatada por Katri Viinikka, embaixadora para equidade de gênero do governo finlandês. "Na hora percebemos que ela não poderia falar livremente", diz.
Garantir a manutenção dos trabalhos em meio à retomada do poder pelo Talibã, em 2021, após 20 anos da invasão dos Estados Unidos na região, exigiu da organização a realização de acordos com o grupo fundamentalista, diz Seraj à reportagem. Assim, continuam a oferecer apoio às vítimas de violência, além de alimentação, consultoria legal e abrigos em oito províncias do Afeganistão.
"Antes, tudo estava avançando. As meninas estavam indo para as escolas, as jovens para as universidades, fazendo mestrados", afirma. "[Agora] elas não estão trabalhando, não podem andar pelas ruas livremente, não podem viver livremente. Tudo está se tornando absolutamente a coisa mais horrorosa do mundo."
A atuação de Seraj fez com que seu nome fosse ventilado como uma possibilidade para o prêmio Nobel da Paz de 2023 pelo diretor do Instituto de Pesquisa para a Paz de Oslo, Henrik Urdal, conhecido por acertar nomes dos vencedores.
A honraria do governo finlandês foi entregue pelo primeiro-ministro conservador Petteri Orpo, filiado ao Partido da Coalizão Nacional, e deu à organização um prêmio de € 300 mil (R$ 1,6 milhão). A embaixadora para equidade de gênero afirmou que o júri estava ciente do acordo com o grupo fundamentalista antes de decidirem sobre a distinção.
A ativista não deu detalhes sobre os arranjos, mas declarou que estes envolvem a contratação de homens -o Talibã na maioria das vezes se recusa a negociar com as mulheres da organização- e uma licença excepcional para que mulheres possam trabalhar.
Seraj afirma que conseguiu a autorização pois a tradição islâmica impede que mulheres estejam rodeadas de homens que não sejam familiares em espaços de intimidade, como nos abrigos, o que deu à entidade um argumento crível.
"Qualquer área que eles [o Talibã] bloqueiam, qualquer coisa, os homens da organização que falam", diz ela. "Não estamos em um tempo e em um espaço no qual podemos fazer o nosso trabalho e não estar com medo de ninguém."
Desde que reassumiu o poder, o grupo tem restringido cada vez mais direitos conquistados pelas mulheres nos últimos 20 anos e reprimido violentamente qualquer manifestação contrária as suas decisões. Na primeira vez em que estiveram à frente do governo, de 1996 a 2001, proibiram mulheres e meninas mais velhas de estudar e trabalhar. Em dezembro de 2022, o governo ordenou que ONGs locais impedissem funcionárias de trabalhar por decorrência do descumprimento do código de vestimenta.
O grupo também proibiu que meninas e mulheres frequentem escolas e universidades, fechou salões de beleza e determinou o uso de roupas e véu que cubram rosto e corpo em espaços públicos. Além disso, indicou que, exceto se houver alguma razão convincente para sair, "é melhor as mulheres ficarem em casa".
Um dos recentes problemas da organização com o Talibã envolveu a doação de 3.500 tablets para meninas e mulheres poderem estudar em casa e levá-los para instituições de ensino quando fossem reabertas. Segundo Seraj, o grupo fundamentalista determinou o recolhimento de todos os aparelhos sob o argumento de que a entidade estava dando os dispositivos para jovens mulheres "conversarem com homens e meninos".
"Eles fecharam meu escritório e queriam fechar a organização inteira", relata Seraj. "A única porta que eles mantiveram aberta foi a do abrigo, pois é separada. Mas a parte financeira eles fecharam, porque sem dinheiro não é possível operar." A reabertura ocorreu após negociações.
Seraj faz parte de uma das poucas organizações femininas que se mantiveram no país. As restrições do Talibã causaram uma "fuga de cérebros", fazendo com que mulheres intelectuais tivessem de buscar refúgio em outras nações.
A diretora-executiva, que também é cidadã americana, afirmou que não quis repetir o caminho que levou sua família para os EUA há quase 45 anos, quando a União Soviética invadiu o Afeganistão, o que a levou a ficar 26 anos em exílio. Em 2003, Seraj retornou ao país e começou a trabalhar com mulheres e crianças ameaçadas pelos conflitos.
Créditos: Portal R7.