IGOR GIELOW
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - No seu quinto dia à frente da presidência rotativa da União Europeia, o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, causou irritação em seus colegas continentais ao fazer uma visita surpresa ao presidente Vladimir Putin em Moscou.
Os líderes discutiram a Guerra da Ucrânia, iniciada pelo russo em 2022. Orbán é o principal aliado da Rússia nas duas grandes instituições ocidentais na Europa, a UE e a Otan, clube militar liderado pelos Estados Unidos.
Putin afirmou que está pronto para discutir o que chamou de nuances de propostas de paz para acabar com o conflito, o maior em solo europeu desde a Segunda Guerra Mundial (1939-45). Foi um gesto a Orbán, que havia dito que "a Hungria lentamente vai virar o último país europeu que pode falar com todo mundo".
Isso reforçou o caráter bilateral do encontro, o segundo com Putin desde o início da guerra -eles haviam se reunido no ano passado em Pequim, outra aliada de ambos os países. Mas o estrago entre os europeus já estava dado.
Ao fim da reunião, o russo agradeceu pela visita e lembrou que as relações entre seu país e a UE estão no pior momento da história. Reiterou que a guerra só acabará em seus termos. O húngaro, por sua vez, afirmou que os seis meses em que estará à frente do bloco de 27 nações serão "uma missão de paz" e que "deu um primeiro passo".
Tanto a presidente do braço executivo da UE, Ursula von der Leyen, como o chefe da diplomacia do bloco, Josep Borrell, foram às redes sociais criticar Orbán e desautorizá-lo a falar pela entidade.
"O apaziguamento não vai parar Putin. Só a unidade e a determinação abrirão caminho para uma paz abrangente, justa e duradoura na Ucrânia", escreveu Von der Leyen.
Já Borrell disse que "a visita ocorre exclusivamente no contexto de relações bilaterais entre Hungria e Rússia". "O premiê Orbán não recebeu nenhum mandato do Conselho Europeu para visitar Moscou", disse, lembrando que a UE já aprovou 14 rodadas de sanções contra Moscou devido à guerra.
Ao receber Orbán no Kremlin, com direito a transmissão ao vivo em redes russas, Putin disse ao colega que estava ciente de sua condição de presidente da UE neste semestre, para irritação dos europeus. Ao fim, reiterou que considerava estar conversando com o bloco.
O cargo temporário de Orbán não lhe dá nem poderes nem delegação, mas serve de vitrine política para vender seu peixe, que é indigesto na maior parte da Europa. O húngaro é um líder autocrático, próximo de outros da mesma estirpe como Donald Trump e Jair Bolsonaro, e sofreu sanções internas na UE por ter amordaçado o Judiciário local.
Apenas a Turquia, que apoia Kiev na guerra mas mantém boa relação com Putin, e a Eslováquia, que elegeu um governo alérgico ao conflito, são mais tolerantes -e Ancara só integra a Otan, não a UE.
O premiê da Polônia, Donald Tusk, criticou Orbán, enquanto o seu homólogo da Finlândia, Petteri Orpo, disse que a viagem era uma "notícia perturbadora". Já a Ucrânia, de forma previsível, disse que "não há acordos sobre a Ucrânia sem a Ucrânia", em nota de seu Ministério das Relações Exteriores.
O único líder europeu a ir a Moscou depois da guerra foi o primeiro-ministro da Áustria, Karl Nehammer, em um esforço para tentar convencer Putin a parar o conflito logo em seu primeiro mês, em abril de 2022.
A Otan, por sua vez, foi na mesma linha de Borrell, enfatizando o caráter bilateral da viagem. O secretário-geral do clube, o norueguês Jens Stoltenberg, que fica no cargo até outubro, afirmou que Orbán o havia notificado da visita de forma antecipada.
Em favor da retórica do húngaro há o fato de que ele já havia ido à Ucrânia conversar com o presidente Volodimir Zelenski no começo da semana. Nessa ocasião, previsivelmente não houve reclamações entre outros líderes.
A paz, disse ele em Moscou, não pode ser alcançada sem diálogo. "Se nós apenas nos sentarmos em Bruxelas, não conseguiremos chegar nem perto da paz. Uma ação precisa ser tomada", havia afirmado após a visita na terça (2) a Kiev.
Atualmente, há duas visões inconciliáveis acerca de negociações de paz, que chegaram a ocorrer logo depois da invasão, mas acabaram encerradas sem nenhum acordo.
Putin diz que aceita suspender as hostilidades se os ucranianos cederem de vez as quatro regiões que o Kremlin anexou ilegalmente em 2022, mas ainda não controla totalmente. Kiev também deve se desarmar a ponto de não representar o que o russo considera ameaça e, por fim, jurar neutralidade, ficando de fora da Otan.
Zelenski, por sua vez, apresenta os mesmos termos desde 2022: retirada total de forças russas de seu território, incluindo aí a Crimeia anexada em 2014, garantias de segurança contra agressões futuras e integração com as estruturas europeias.
Essa fórmula foi discutida em uma conferência internacional no mês passado, embora o documento final do encontro não tenha tido apoio de países com posições ambíguas no conflito, como a Índia e a Arábia Saudita. O Brasil, que condena a guerra mas não apoia sanções contra Moscou, apenas enviou uma observadora.
Como resta evidente, não há acordo de lado a lado nos termos propostos. Mas o fato é que o tema de como parar a guerra ganhou tração enquanto os combates e bombardeios continuam intensos. O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, colocou-se como um mediador, mas o Kremlin refutou a ideia.
Ainda assim, nesta sexta o turco afirmou ter refeito o convite para que Putin visite seu país, o que pode acontecer em breve. Seria a primeira viagem do russo a uma nação da Otan desde o início do conflito.
Outro trunfo do Kremlin é a visita do premiê indiano, Narendra Modi, a Moscou na segunda (8) e terça (9). O país asiático é uma potência nuclear e econômica cortejada pelo Ocidente, mas mantém fortes laços com a Rússia, sendo o principal exemplo das nações não alinhadas na Guerra Fria 2.0 que antagoniza EUA e aliados à China e seus parceiros, como Putin.
Também na terça começa a reunião anual da Otan, que discutirá mais ajuda à Ucrânia, em Washington.
Créditos: Portal R7.