Há crescente consenso da necessidade de regulação das redes sociais. O atual regime jurídico tem dado margem a muitos abusos, como se o mundo digital fosse território sem lei. Sob pretexto de liberdade de expressão, verifica-se intensa difusão de ameaças, ataques e notícias mentirosas, que tensionam o tecido social, distorcem o debate público e colocam em risco as instituições democráticas. Nesse cenário, o Judiciário tem sido instado a atuar e, apesar de indispensável para a defesa das liberdades e do Estado Democrático de Direito, sua atuação acaba por gerar novas distorções e tensões. É urgente prover um novo marco legal para as redes sociais.
No entanto, por mais evidente que seja a necessidade de regulação do setor, é preciso advertir que o desenho desse novo marco legal exige especial cuidado, começando por calibrar, de maneira realista, as expectativas em relação a seus efeitos. Os desafios sociais e políticos decorrentes das redes sociais não serão resolvidos simplesmente com uma nova lei, por mais perfeita que ela possa ser.
Por exemplo, os atos do 8 de Janeiro explicitaram e confirmaram uma vez mais o perigo que as redes sociais trazem para a democracia. Muitos dos crimes ali praticados foram incentivados, anunciados e organizados nas plataformas digitais. A ideia, bastante difundida, de que essas empresas seriam totalmente irresponsáveis pelo conteúdo publicado em seus canais permitiu a ocorrência dos crimes. Além disso, as empresas operam com algoritmos que ampliam a exposição de mensagens que geram engajamento, favorecendo a difusão de conteúdos radicais e extremistas. Na prática, as redes sociais não só foram indiferentes, como também ajudaram a construir o ambiente de desinformação e de ameaça ao regime democrático.
Ao mesmo tempo, seria ingenuidade achar que uma adequada regulação das redes sociais resolva – ou deva resolver – todos os problemas sociais e políticos envolvidos no 8 de Janeiro. Não é só uma questão de expectativa irreal, o que depois vai gerar frustração. O problema é mais grave. Essa expectativa desequilibrada modifica a própria ideia do que deve ser uma adequada regulação das redes sociais.
Há quem proponha, por exemplo, que empresas como Google ou Facebook recebam o mesmo tratamento jurídico que as companhias de comunicação, que têm uma responsabilidade muito mais acentuada sobre o conteúdo publicado. A proposta, que talvez possa entusiasmar muita gente – seria um modo imediato de acabar com a circulação irresponsável de conteúdo criminoso –, ignora, no entanto, o fenômeno específico das redes sociais, inviabilizando seu funcionamento. Seja para qual setor for, uma adequada regulação jurídica tem como condição indispensável o conhecimento do seu modus operandi. A lei não pode ignorar a realidade.
Relacionada com a primeira proposta, outra ideia, que vez por outra se ventila, consiste em conceder às plataformas digitais poder irrestrito para retirada de conteúdo, sem necessidade de decisão judicial. Diz-se que essa autorização proveria a tão sonhada agilidade na contenção de conteúdos criminosos. O mecanismo acarreta, no entanto, problemas sérios em relação à liberdade de expressão, com riscos de abusos e distorções ainda maiores no debate público.
Há de se conceder razão, portanto, ao presidente da Câmara, Arthur Lira, quando defendeu a necessidade de “encontrar o caminho do meio para legislar sobre e julgar questões envolvendo liberdade de expressão, redes e democracia”. No dia 13 de março, em evento sobre o tema, Lira reconheceu que se trata de “equilíbrio delicado”, que “envolve valores inestimáveis para a vida pública brasileira”. E advertiu: “Esse equilíbrio não é uma utopia, mas uma necessidade”.
Com suas duas Casas, o Legislativo existe precisamente para esses casos: quando, diante de muitos interesses e perspectivas possíveis, o País precisa de um marco jurídico equilibrado, que expresse os vários anseios da população, respeite a Constituição e defenda a democracia. Não se espera menos do Congresso.