O Pleno do Tribunal de Justiça do Amapá (TJAP) entendeu que a Justiça Estadual não deve julgar as 20 mil ações relacionadas ao apagão energético que ocorreu no Estado em novembro de 2020 e deixou às escuras suas principais cidades. Nelas, consumidores pedem indenização por danos materiais e morais decorrentes do apagão. Há outras cerca de 6 mil ações em andamento na Justiça Federal.
O prejuízo causado pelo apagão à economia do Amapá foi estimado em R$ 190 milhões pelo Coletivo Nacional dos Eletricitários. Os problemas no fornecimento de energia afetaram o abastecimento de água, a compra e armazenamento de alimentos, serviços de telefonia e internet. Quase 90% da população (cerca de 765 mil pessoas) foi impactada. Após dois blecautes e 22 dias de fornecimento em rodízio, a energia foi restabelecida. A causa do apagão foi um incêndio numa subestação.
Diante da multiplicidade de processos e da diversidade de decisões sobre o assunto, o Pleno do TJAP decidiu julgar o tema pelo chamado Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR). Esse instrumento uniformiza o entendimento na Justiça Estadual.
Para a maioria dos desembargadores, a União e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) devem ser incluídas nas ações. Com isso, ficariam submetidas à Justiça Federal, conforme a Súmula nº 150, do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Agora, somente a publicação do acórdão deverá esclarecer o que deve ocorrer com as milhares de ações que tramitam na Justiça Estadual. Em geral, quando se declara incompetente, os processos são extintos. O consumidor tem que entrar com uma nova ação na Justiça Federal.
O julgamento foi encerrado na última quarta-feira (22). Todos os advogados de empresas privadas envolvidas fizeram sustentação oral alegando que a União e a Aneel devem ser obrigatoriamente incluídas nas ações.
O advogado Paulo Henrique dos Santos, que assessora a Linhas de Macapá Transmissora de Energia (LMTE), alegou que é do governo federal a responsabilidade e da Aneel, que deve fiscalizar. Ainda defendeu que, como a LMTE é apenas a transmissora de energia, não teria relação com o consumidor e a responsabilidade seria da distribuidora.
Já o advogado da Companhia de Eletricidade do Amapá (Cea), Vitor Vieira Alves, alegou que seria inequívoca a responsabilidade da transmissora. Isso porque todo consumidor paga na conta de luz uma parte de transmissão.
Alves também defendeu a inclusão da União e da Aneel nas ações pela falta de investimento do governo com relação à energia no Amapá. Só em 2022, segundo Alves, foi feita uma privatização para se obter mais recursos, quando foram investidos mais de R$ 200 milhões.
Nesse mesmo sentido se manifestou o advogado Carlos Antonio Harten, que assessora o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), órgão responsável pela coordenação e controle da operação das instalações de geração e transmissão de energia elétrica. Ele afirmou que a Constituição deu competência exclusiva à União para explorar o serviço de instalação de energia elétrica no Brasil. Já o outro advogado, Orlando Maia, alegou que o ONS deveria ser excluído das ações por não ter responsabilidade contratual ou operacional pelo ocorrido.
No início do julgamento, o relator, desembargador Jayme Ferreira, tinha definido uma tese na qual cada consumidor poderia optar contra quem deveria entrar com a ação e, se incluísse a União, a análise seria da Justiça Federal. Caso contrário, poderia ser julgado pela Justiça estadual. O placar estava em quatro votos a dois a favor do posicionamento do relator, quando um pedido de vista do desembargador Mario Mazurek suspendeu o julgamento.
Ao apresentar voto vista, Mazurek afirmou a obrigatoriedade da União e Aneel nessas ações. Dois desembargadores que já haviam votado mudaram de ideia. Por maioria, com cinco votos a dois, ficou definida a não competência da Justiça Estadual.
Por meio de nota, o ONS afirmou que “a decisão do TJAP reconhece a Justiça Federal como instância adequada para o julgamento do mérito. Desde o início, este era o entendimento do ONS”. O Ministério de Minas e Energia informou que por se tratar de uma questão que já está judicializada, “eventual pedido de informação é prestado pela União no âmbito dos respectivos processos”.