O Tribunal Regional da 5ª Região (TRF-5) decidiu que as seguradoras não são obrigadas a fechar seguro residencial na margem de um quilômetro de regiões afetadas pelo considerado “maior desastre ambiental urbano”, em Maceió (AL). Ocorrido em 2018, o afundamento em cinco bairros – que seria decorrente de atividade de mineração da Braskem – afetou cerca de 60 mil pessoas. Cabe recurso.
Segundo a Defensoria Pública da União, uma das autoras da ação, a restrição imposta pelas seguradoras em área não abrangida pelo desastre, poderia comprometer a política urbana da cidade, além de violar direitos do consumidor, que não consegue obter financiamento para comprar imóvel sem seguro.
No dia 3 março de 2018, foram sentidos tremores na cidade, trechos de asfalto cederam e pisos e estruturas de imóveis racharam. Foram atingidos cerca de 14,5 mil residências e estabelecimentos comerciais nos bairros de Pinheiro, Mutange, Bebedouro, Bom Parto e Farol.
Após um ano e dois meses de estudos, o Serviço Geológico do Brasil, órgão federal, concluiu que as atividades de mineração da Braskem de sal-gema, em área de falha geológica, causaram os afundamentos. O minério é usado na produção de PVC e soda cáustica. A exploração foi suspensa.
Em janeiro de 2020, a Braskem firmou acordo com os Ministérios Públicos Federal e Estadual e Defensorias Estadual e da União para indenizar os afetados. Porém, as seguradoras passaram a recusar pedidos de seguro, em uma margem de segurança de um quilômetro após as últimas casas afetadas.
Diante disso, o Ministério Público Federal e a Defensoria Pública da União entraram com ação civil pública contra quatro seguradoras licenciadas pela Caixa Econômica Federal (CEF): XS3 seguros, Tokio Marine, American Life e Too Seguros.
De acordo com o defensor público Diego Alves, que atua na ação, essa margem de segurança instituída pelas seguradoras não tem respaldo técnico e as empresas não informaram em quais critérios se basearam. Ele acrescenta que as companhias de seguro recusam os pedidos sem visitar os imóveis e ver suas condições.
Estudos do Serviço Geológico do Brasil e da Defesa Civil, que monitoram essas áreas por satélite e interferometria, afirma, mostram que, desde dezembro de 2020, não há evolução no mapa de risco da região.
Já os advogados das seguradoras alegam que elas têm liberdade para selecionar quais pedidos de seguro querem dar cobertura e que “ser rigoroso nos critérios” não é medida discriminatória, mas imposição legal de “salvaguarda da mutualidade dos segurados”. Ainda reforçam que a área está em monitoramento até 2026 para se verificar se há necessidade de novas indenizações.
Em primeira instância, o pedido do MPF e da Defensoria Pública de tutela antecipada foi negado. Os órgãos recorreram ao TRF-5.
Unanimidade
A 4ª Turma do TRF-5, por unanimidade, negou o recurso. Segundo o relator, desembargador Manoel Erhardt, diante de situações de elevado cunho social, é possível ponderar a liberdade de contratar. Mas essa recusa tem que ser justificada, como exige o artigo 2º, parágrafo 4º, da Circular Susep nº 251, de 2004.
Para o defensor público Diego Alves, a decisão é provisória e apenas destaca que ainda não há provas para analisar o caso com profundidade. Ainda afirma que existe decisão de primeira instância invertendo o ônus da prova – exigindo justificativas para a recusa.
Procurada pelo Valor, a Tokio Marine informou que não irá se pronunciar. A CEF afirmou que não comenta ações em curso. O advogado Márcio Alexandre Malfatti, que defende a American Life Seguros, não deu retorno e o advogado Carlos Harten, que representa a seguradora XS3, preferiu não se manifestar. Já a advogada Iara Maria Araújo de Sousa, que assessora a Too Seguros e a Braskem, não foi localizada.
Por meio de nota ao Valor, a Braskem diz que, em relação à decisão do TRF-5, só se manifesta nos autos do processo. Ainda destaca que de 18.933 propostas de indenização apresentadas aos moradores das áreas de desocupação e monitoramento, 17.800 foram aceitas e 16.585 já pagas. Somadas aos auxílios financeiros e honorários de advogados, o valor é de R$ 3,5 bilhões.