Marcelo Morais dos Santos, o Grande, apontado pelo Ministério Público do Rio (MRPJ) como braço direito de Danilo Dias Lima, o Tandera, chefe de uma milícia que atua na Baixada Fluminense, tinha autorização da Polícia Federal para portar armas. Segundo a investigação do MPRJ que culminou na Operação Epilogue, deflagrada na semana passada, Grande tem três armas registradas na PF: uma pistola Taurus PT59S calibre .380, uma carabina Taurus CTT 40A calibre .40 e uma espingarda calibre 12, da marca turca Barathrum.
Na mesma decisão que decretou a prisão de Grande, o juiz Richard Robert Fairclough, da 1ª Vara Criminal Especializada, suspendeu seu porte e ainda determinou a apreensão de todas as armas. Grande, no entanto, não foi localizado pela polícia e está foragido.
Segundo a investigação do MPRJ, Grande conseguiu a autorização para portar armas em 2019, durante o governo de Jair Bolsonaro, que flexibilizou as regras para a obtenção do registro. Por decreto, o ex-presidente derrubou a exigência de comprovação de “efetiva necessidade” para ganhar o porte. Desde janeiro, o governo Lula determinou o retorno da exigência: atualmente, quem quiser portar armas precisa comprovar que tem alguma atividade profissional de risco ou convive com ameaça à integridade física.
Além da “efetiva necessidade”, postulantes ao registro precisam declarar que não respondem a inquéritos policiais ou a processos criminais. Quando Grande tirou seu registro, ele ainda não estava na mira das autoridades.
Arquivos obtidos pelo MPRJ por meio de quebras de sigilo, no entanto, revelam que o arsenal de Grande é ainda maior do que o registrado na PF. Numa conta de e-mail do acusado, os investigadores encontraram uma foto de um documento de “Requerimento Para Aquisição de Arma de Fogo” com as informações de uma pistola Glock G34 calibre 9mm, que não consta no banco de dados da PF. Em setembro de 2021, Grande postou numa rede social uma foto do momento em que a arma chegou em sua casa: “Se peitar vai ficar no chão, depois não diga que não avisei”, escreveu, na legenda da imagem em que segurava a pistola com a caixa ao fundo.
Investigadores suspeitam que Grande tenha registrado a arma no Exército, como Caçador, Atirador e Colecionador (CAC). A pistola acabou sendo apreendida em fevereiro deste ano, quando Grande foi detido numa abordagem em Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio. Como só poderia usar a arma em clubes de tiro, ele foi preso, mas acabou liberado após pagar fiança. Ele responde em liberdade pelo porte ilegal da pistola.
O MPRJ também teve acesso a documentos que revelam que Grande chegou a comprar um fuzil, armas de calibre restrito a que CACs podiam ter acesso durante o governo Bolsonaro. Comprovantes de pagamento da arma — modelo T4, da Taurus, e calibre 5,56 — foram encontradas numa conta de e-mail do foragido. A arma também não está registrada na PF e não pode ser usada por quem tem autorização para porte. Diversas fotos de Grande obtidas pelo MP mostram que ele costumava circular em seu carro com várias armas.
A investigação também revelou que Grande tem posição de destaque na hierarquia da milícia, “desempenhando atividades de agiotagem, grilagem de terras, construção e administração imobiliária, extorsão de comerciantes e moradores, além de comercialização de bebidas nas localidades dominadas pela milícia, notadamente em Seropédica”. Mensagens de áudio encontradas em contas de e-mail de Grande revelam, por exemplo, que ele mantinha contatos frequentes com Tandera e que ele era o responsável por extorquir empresas com atuação nas áreas dominadas pela milícia.
Para esconder sua atuação criminosa, Grande se apresentava como empresário e, de fato, constituiu uma empresa que funcionava legalmente, a Diamante Transporte e Locações LTDA. No entanto, a investigação constatou que a empresa não funciona no endereço declarado e os moradores da região desconhecem o negócio. Entre julho de 2022 e janeiro de 2023, Grande movimentou R$ 1.394.405,00 através da empresa — valores que são absolutamente incompatíveis com a sua renda lícita declarada, segundo o MPRJ.
Grande também foi um dos milicianos que participou de uma reunião entre a alta cúpula da organização criminosa e pré-candidatos à prefeitura dos municípios de Nova Iguaçu, Queimados e Seropédica em 22 de abril de 2020. No encontro, Tandera afirmou aos políticos que queria “alcançar os três poderes”.
“Enquanto a gente não alcançar o Legislativo, o Poder Judiciário, o Executivo, o ‘quarto poder’, a gente não vai conseguir nada”, disse ele. Na reunião, ele explicou que o quarto poder é o Ministério Público. Estavam presentes quatro pré-candidatos às eleições daquele ano — entre eles, o ex-deputado federal Cornélio Ribeiro, que foi pré-candidato pelo PRTB — mas apenas dois de fato concorreram a algum cargo; nenhum foi eleito.