A experiência é quase sempre a mesma: o consumidor entra, olha os produtos e, antes mesmo de se interessar ou não por algum item e se encaminhar ao caixa, é abordado por um vendedor oferecendo um cartão da marca, sob o argumento de que “é rapidinho”. Num cenário de endividamento alto e juros corroendo o poder de compra das famílias, ofertas de crédito (literalmente) tão próximas do consumo – algumas até aptas para quem está no vermelho – são tentadoras. Mas, para especialistas, é preciso ter cautela para não transformar o cartão numa forma de comprometer ainda mais o orçamento.
Os primeiros cartões de grandes varejistas brasileiras surgiram no tipo private label (ou marca própria, em tradução livre), modalidade em que o meio de pagamento só é aceito nas próprias lojas da marca. Mas o mercado se expandiu, com diversas empresas – de nichos diversos, como vestuário e moda, até supermercados e lojas de eletrodomésticos – oferecendo aos consumidores cartões de crédito com a identidade visual e nome da marca, mas que também podem ser usado em outros estabelecimentos.
E a procura tem crescido. Balanços financeiros de varejistas como Riachuelo, Renner e C&A – dona das Casas Bahia e Ponto – apontam para o aumento no número de cartões emitidos e no faturamento acumulado por eles.
O negócio aposta em vantagens como descontos, cashback e parcelamentos exclusivos para fidelizar o consumidor, e é tão importante que várias das marcas criaram braços financeiros para operar o crédito. É o caso da Realize, da Renner, da Midway, da Riachuelo, e da LuizaCred, da Magalu. Já em outros casos, os cartões são emitidos através de parcerias com bancos, como a Marisa, parceira do ItaúCred.
Inadimplência
Em contrapartida, a inadimplência nos cartões das varejistas também é alta. No balanço do primeiro trimestre de 2023, a C&A, por exemplo, registou as perdas relacionadas aos cartões bandeirados, através da parceria com a Bradescard, subiram de 1,3% para 4,8%, na comparação com o mesmo período do ano passado. Em meio a uma taxa básica de juros em 13,75%, a empresa cita o “cenário macroeconômico de maior inadimplência que vem impactando bancos e varejistas”.
Já na Renner, a parcela dos clientes com prestações vencidas – o que inclui a operação bandeirada e aquela exclusiva das lojas – alcançou 28,3% no primeiro trimestre deste ano, acima 22,1% do mesmo período do ano passado.
“Vemos ainda desafios para o mercado de crédito ao longo deste ano. A taxa de juros e inflação ainda em patamares elevados, bem como o endividamento das famílias, trazem pressões na inadimplência a curto prazo”, afirmou a empresa, em nota.
Endividamento
Para o consumidor, contratar um ou mais cartões exige cuidado, principalmente no cenário atual, de juros altos. Dados da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic/CNC), mostram que a fatia de famílias brasileiras com dívidas chegou a 78,3% em abril. Dessa parcela, o cartão de crédito é o vilão de 86,8% dos casos, o maior patamar em um ano
Coordenadora do programa de Serviços Financeiros do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a economista Ione Amorim alerta que, em geral, as taxas de juros praticadas por cartões de varejistas tendem a ser mais altas do que aquelas de cartões oferecidos por bancos.
Por exemplo: no rotativo – percentual aplicado no valor que sobra quando o consumidor não paga o valor integral cobrado na fatura – as taxas cobradas por bancos oscilam a partir de 10% ao mês, enquanto em algumas financeiras de varejistas, o percentual vai a 19,95%. As taxas de juros podem ser consultadas no site do Banco Central.