A invasão da Rússia à Ucrânia chega a seu sexto mês, coincidentemente no dia em que o país celebra o 31º aniversário de independência. As comemorações desta data foram canceladas por precaução. Os Estados Unidos e o presidente Volodymyr Zelensky temiam que as tropas de Vladimir Putin usassem a data comemorativa para intensificar os ataques, principalmente porque a tensão entre os países aumentou desde a morte de Daria Dugyna, filha de um guru do líder russo. A Rússia culpa a Ucrânia pelo ataque, que nega ter envolvimento. Desde o dia 24 de fevereiro, os ucranianos lutam para defender sua soberania, conquistada em 1991 após a queda da União Soviética (URSS). Nesta quarta-feira, 24, em mensagem no Dia da Independência, Zelensky afirmou que seu país vai resistir à invasão até o fim. “Não nos importamos com o exército que vocês têm, só nos importamos com nossa terra. Lutaremos por ela até o fim”, declarou em um vídeo divulgado para marcar os 31 anos de independência do país. “Permanecemos firmes há seis meses. É difícil, mas cerramos os punhos e estamos lutando pelo nosso destino”, acrescentou. “Para nós, a Ucrânia é toda a Ucrânia. Todas as 25 regiões, sem qualquer concessão ou compromisso”.
Para o cientista político do Insper Leandro Consentino, essa guerra é fundamental para o Estado ucraniano para ver se eles conseguem conservar sua soberania diante da investida russa. “O futuro vai depender desta guerra. Se a Ucrânia ceder, pode deixar de ser um Estado ou perder o poder sobre determinadas regiões”, contudo, se continuar resistindo como tem feito até agora, pode assegurar a continuidade da sua integridade territorial. “É um momento de clivagem fundamental e um ponto de não retorno para o Estado ucraniano”, acrescenta. Bernardo Wahl, professor de Segurança Internacional da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), fala que a data de hoje é um “motivador simbólico para o país continuar combatendo o agressor russo em uma guerra que os ucranianos percebem como sendo existencial”.
Nas primeiras horas de quarta-feira, cidades como Kharkiv, Zaporizhzhia e Dnipro foram atingidas por explosões, informaram as autoridades locais. A Rússia continua atacando com frequência as cidades ucranianas com mísseis de longo alcance, mas raramente atinge Kiev e seus arredores – local de onde Vladimir Putin retirou suas tropas em março, quando não conseguiu tomar a capital em poucos dias como achou que iria acontecer. Essa resistência ucraniana é um ponto de destaque, pois muito se dizia que a guerra acabaria em poucos dias porque as tropas russas são mais fortes que as ucranianas. Contudo, isso não aconteceu. “Inicialmente, esperava-se que uma grande potência como a Rússia poderia ter imposto sua vontade à Ucrânia sem muitas dificuldades”, diz Wahl. Consentino complementa dizendo que este é um conflito que “os ucranianos mostraram uma resistência maior do que a Rússia poderia esperar”, pois “para os russos, aquilo era apenas um passeio e se converteu em uma aventura incerta, uma dificuldade muito grande”. Porém, essa força e resistência não seria possível sem ajuda do Ocidente, que tem sido fundamental. “Kiev conta com o apoio do mundo ocidental, auxílio sem o qual talvez o ânimo ucraniano não tivesse durado muito tempo”, fala Wahl. “É muito difícil imaginar que a Ucrânia resista sem essa ajuda, por isso esse é um ponto central nessa disputa e nessa guerra”, pontua Consentino.
Diante desses seis meses de conflito, os especialistas dizem que a mensagem fundamental do conflito russo-ucraniano é que ele deveria ter um desfecho muito mais rápido do que realmente teve, mas a “resistência é uma sinalização muito importante do ponto de vista territorial e soberano”, diz o cientista político do Insper. “Os seis meses de guerra revelam que nenhuma das partes está disposta a fazer concessões e ambos países lutarão até onde for possível para fazer valer a sua vontade”, fala Wahl, complementando que não há “uma solução fácil para esse problema”. As negociações entre os países estão paralisadas desde março, e não há indícios que deve ser retomada e muito menos que o conflito esteja perto do fim. Em entrevista à Jovem Pan, ex-embaixador da Ucrânia no Brasil, Rostyslav Tronenko, afirmou que “os ucranianos não estão prontos para negociar com um Estado terrorista, que usa chantagem nuclear”. A referência é sobre Zaporizhzhia, a maior usina nuclear da Europa, que está sendo o novo foco do conflito e acende um alerta no mundo devido ao risco de explosão. “Não estamos prontos para negociar a nossa rendição incondicional”, declarou Tronenko.
Apesar do temor nuclear, tanto o cientista político Leandro Consentino como o professor de Segurança Internacional da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) Bernardo Wahl, dizem que as chances de um conflito nuclear são baixas. “É remoto se pensarmos em uma guerra ampla nuclear, é mais provável se pensarmos em uma guerra nuclear, se existir, que seja de bombas localizadas”, diz Consentino. “Uma guerra nuclear poderia significar a destruição mútua assegurada. Até se chegar a uma guerra nuclear propriamente dita, muitas etapas de guerra precisariam ser cumpridas”, explica Wahl. Segundo ele, os países possuem armas nucleares para fins de dissuasão, e desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) as armas nucleares nunca mais foram usadas na guerra, tornando-se uma espécie de tabu. Apesar da Rússia ter escalado a retórica nuclear no início da guerra, “é improvável que ela venha a usar armas nucleares”, porém, alerta que por mais que as chances sejam mínimas, o “fato de ser improvável não significa impossível”, pois existem estudos que analisam os cenários de escalada na guerra russo-ucraniana que poderiam levar ao uso de armas nucleares. Apesar de ser complicado prever o desfecho da guerra, os especialistas listam alguns cenários: vitória ucraniana com ajuda do Ocidente, por mais que seja pouco provável; Rússia vencendo e ficando com a Crimeia e a região de Donbass; e estagnação do conflito, algo como vietna-russo, em que as tropas de Putin não deixam a Ucrânia, mas também não conseguem avançar. Independente de qual for o cenário vencedor, Wahl afirma que é “improvável que a Ucrânia deixe de existir enquanto país independente”, porque “não parece isso que a Rússia busca com a guerra”. Mas ele adianta que “qualquer que seja o desfecho do enfrentamento bélico, a Ucrânia terá que se reconstruir enquanto país”.