10/10/2022 às 13h35min - Atualizada em 10/10/2022 às 16h29min

Corte di Cassazione da Itália dribla tese da Grande Naturalização e minimiza riscos para conquista da cidadania italiana

SALA DA NOTÍCIA Rouge Comunicação
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ALM Advogadas Associadas
O processo para conseguir a cidadania italiana sofreu diferentes mudanças em 2022. Desde o final de junho, o critério de definição da competência passou a ser cidade de origem do Dante Causa (ascendente italiano nascido na Itália) do(s) autor(es) da ação. Portanto, o foro competente passou a ser o Tribunal da cidade capital da região de origem (“capoluogo regionale”), e não mais exclusivamente o Tribunal de Roma, como acontecia até então.

Esta descentralização da competência dos Tribunais, que chegou com a promessa de trazer uma celeridade importante ao julgamento dos processos, pode fazer com que haja decisões de entendimentos variados sobre uma mesma questão, o que já não acontecia no Tribunal de Roma. O objetivo principal da reforma, de acordo com o Ministério da Justiça Italiana, é diminuir em 40% os tempos processuais, facilitando a vida dos requerentes.

Contudo, paralelamente à essa mudança processual, há alguns meses havia ganhado espaço, no âmbito judicial, a tese da Grande Naturalização. Tal tese acabou sendo considerada um imbróglio jurídico que acabava por atrapalhar os planos imediatos de algumas famílias que possuem uma árvore genealógica datada do século 19, e construir um panorama jurídico de incertezas.

Como já amplamente pautado pelo ALM Advogada Associadas, escritório com sede no Brasil, Portugal e Itália, que auxilia estrangeiros na busca pela cidadania europeia, a tese da Grande Naturalização nasceu com a Proclamação da República, no dia 15 de novembro de 1989, quando ficou instaurado, via decreto 58A14, de dezembro de 1989, que qualquer estrangeiro estabelecido no Brasil, antes de 15 de novembro, seria reconhecido brasileiro. Na época, a medida foi até bem vista, justamente pelo Brasil sempre ser lembrado por ser um país acolhedor, hospitaleiro, o que acontece até hoje.

Sendo assim, todo estrangeiro que não se manifestasse em ato público, lavrado em livro próprio, até o dia 15 de novembro de 1889, seria considerado um cidadão brasileiro. O problema é que até 1912, na Itália, não existia a dupla cidadania, ou seja, o italiano que morava no Brasil até 1889 acabou se tornando brasileiro, de maneira quase que automática, e consequentemente perdeu a cidadania italiana. Foi só em 1912 que a Itália regulamentou a dupla cidadania, baseada num código civil de 1875, do artigo 11.

Este imbróglio jurídico foi pauta do ALM Advogadas Associadas, que esclarecia exatamente o que ocorria nos Tribunais italianos. Diferentes turmas da mesma Corte D’Appello di Roma e da Corte D’Apello di L’Aquila divergem a respeito do tema e emanam acórdãos com fundamentações jurídicas pouco plausíveis e sustentáveis, indeferindo, assim, o reconhecimento da cidadania a vários descendentes de cidadãos italianos com linhas de descendência comprovadas documentalmente.

É o que explica a mestre em direito pela Universidade de Bolonha, que se dedica principalmente aos processos no Tribunal de Roma, e sócia-diretora do ALM, Karla Leal Macedo. “A tese da Grande Naturalização desnorteava as decisões em segunda instância das Cortes Italianas. Era um capítulo conturbado de uma história onde, em cada página, eram apresentadas ‘novidades’ interpretativas que endereçavam cada decisão para rumos desconhecidos e aparentemente absurdos, juridicamente falando. Mas, foi por nós amplamente sublinhado que o Tribunal de Roma, em primeira instância, sempre refutou em suas sentenças (“ordinanze”) o acolhimento de tal tese”, disse Karla.

No entanto, recentemente, duas decisões, publicadas no final de agosto de 2022, vieram esclarecer e uniformizar esse panorama jurídico que deixava muitos requerentes com uma sensação de incerteza quanto ao reconhecimento da cidadania italiana iure sanguinis, acalentando milhões de descendentes de cidadãos italianos.

Quarenta e três de uma e 41 páginas de outra, as decisões das “Sezioni Unite”, da Corte di Cassazione da Itália, chegaram para driblar a Grande Naturalização.

Antes de adentrar aos princípios delimitados por tais decisões, faz-se necessário esclarecer que a matéria tratada (reconhecimento da cidadania italiana iure sanguinis), por ser considerada de particular importância e de repercussão geral, ao ser impetrada em via recursal junto à “Corte di Cassazione”, foi direcionada para apreciação junto à “Sezioni Unite” de referida Corte.

“Sezioni Unite” nada mais é que uma formação especial do colégio de Ministros, que julgam questões de relevância nacional e internacional. É composta por 9 votantes, investidos de função nomofilácica, ou seja, uma função decisória cujo principal objetivo é promover a padronização do entendimento jurisprudencial, garantindo assim a exata observação e uniformização na interpretação da lei, com o intuito principal de preservar o direito objetivo nacional.

Os casos que chegaram para julgamento perante a Corte di Cassazione seguiram seguinte percurso: ajuizada ação de reconhecimento de cidadania italiana junto ao Tribunal de Roma, tiveram o reconhecimento da cidadania italiana deferido pelo juiz de primeira instância. Em seguida, foi apresentada apelação em segunda instância junto à Corte D’Appello promovida pelo “Ministero dell’Interno” juntamente com o “Ministero degli affari esteri”.

Em apelação, foi ratificada a aplicação da tese da Grande Naturalização aos casos, que foi acolhida e acabou por indeferir os pedidos de reconhecimento iure sanguinis da cidadania italiana dos descendentes em questão. Contra os referidos acórdãos, foram apresentados recursos junto à Corte di Cassazione por parte dos descendentes, e, sendo, como já mencionado, uma causa de particular importância, foram remetidas para apreciação das “Sezioni Unite”.

No último dia 12 de julho, em sessão pública, foi realizado o julgamento presencial e recentemente, no último dia 24 de agosto, foram publicadas as tão esperadas decisões. Com o julgamento colegiado, os acórdãos da Corte D’Appello di Roma foram impugnados e as causas devidamente remetidas para nova apreciação de uniformização junto à Corte D’Appello de origem, sendo determinada uma nova formação colegial, bem como, que, para novo julgamento, a Corte deverá se ater a determinados princípios de direito. Neste caso, foram delineados quatro princípios de direito que o ALM Advogadas Associadas destrincha para um maior esclarecimento.
  1. Comprovação da descendência italiana: documental.

As “Sezioni Unite” esclarecem que dentro de uma tradição jurídica italiana, desde o sistema delineado pelo Código Civil de 1865, seguido pela Lei específica sobre Cidadania (Lei nº 555 de 1912) e pela atual Lei nº 91 de 1992, a cidadania por nascimento se adquire por título originário iure sanguinis, e o status de cidadão, uma vez que adquirido, possui natureza permanente e é imprescritível e passível de invocação perante os tribunais a qualquer tempo, diante da apresentação e comprovação dos elementos constitutivos da transmissão da descendência, juntamente com a comprovação do nascimento do antenado italiano. Quem requerer o reconhecimento da cidadania italiana tem que comprovar somente a transmissão de sua descendência, ao passo que cabe à outra parte recorrida, que tenha suscitado dúvida, a eventual prova de um fato de interrupção da transmissão da descendência. Portanto, caso o Ministero dell’Interno tenha dúvida, ou levante suspeita que a transmissão tenha sido interrompida, ele tem que provar tal feito, e não os descendentes têm que provar o contrário.
 
  1. Perda da cidadania italiana: ato espontâneo e voluntário.

Quanto à perda da cidadania, como era prevista no Código de 1865, as “Sezioni Unite” esclarecem que a menção ali estabelecida se dá quando alguém “obtinha a cidadania em um país exterior”. Para efeito, na linha de transmissão iure sanguinis aos descendentes, deve ser considerada uma ação completa em si mesma: deve se ter a certeza de que a ação (como ato de agir) tenha sido realizada por parte da pessoa emigrada à época, com um ato espontâneo e voluntário, com a finalidade de obtenção da cidadania estrangeira. Ademais, para ser considerada em toda a sua eficácia, deve ser acompanhada de um pedido de inscrição nas listas eleitorais. O simples fato de ter estabelecido a residência no exterior, ou de ter estabelecido uma vida social no país de emigração, não implica em condição de completude do ato de obtenção da cidadania em si. Portanto, nenhum ascendente italiano da época perdeu a cidadania por ato de naturalização de massa, sem ter realizado um ato espontâneo e voluntário, seguido de um comportamento que demonstre tal vontade, como por exemplo, inscrição junto às listas eleitorais, assumindo os direitos civis e políticos de uma nova condição.
 
  1. Direito à Cidadania: um direito subjetivo permanente e imprescritível.

O direito à cidadania pertence ao rol dos direitos fundamentais, e não é considerado aplicável a tais direitos a extensão automática de qualquer presunção. Assim, Le Sezioni esclarecem que, de acordo com a aplicação combinada de várias normas e tratados internacionais, cada pessoa possui direito subjetivo permanente e imprescritível quanto ao status de cidadão, e que tal direito pode ser perdido exclusivamente por renúncia, sempre que seja voluntária e expressa, em obséquio à liberdade individual de cada um; portanto, nunca por renúncia tácita, qualquer modalidade que seja exercida tal renúncia, nem, tampouco, por uma aceitação tácita de cidadania estrangeira imposta por uma disposição geral/de massa de naturalização. Portanto, o decreto brasileiro 58-A, de 15/11/1889, que decretava a naturalização de todo estrangeiro presente em território brasileiro, não pode ser considerado instrumento de perda de cidadania originária, sem que o atingido pela norma declare que, assumindo a nova condição, queria a perda da condição anterior.
 
  1. Aceitação de emprego público e seus efeitos no direito à cidadania.

Em uma das várias decisões da Corte D’Appello de Roma que acataram a tese da Grande Naturalização, foi alegado que o ascendente italiano nato que “sem a permissão do governo” tivesse “aceitado um emprego por parte de um governo exterior” ou “tivesse feito o serviço militar de potência exterior”, teria perdido a cidadania de origem, qual seja, a cidadania italiana; afirmando que por “governo” deveria ser entendido tanto a administração pública, bem como o órgão de governo que regulamenta e consente ao cidadão estrangeiro o direito de viver e trabalhar no País para onde emigrou. As “sezioni” mais uma vez refutaram esse entendimento, esclarecendo que na expressão “emprego por parte do governo”, o termo “governo” deve ser entendido em uma interpretação restritiva, sendo considerado somente os empregos governamentais, que tenham como consequência a assunção de funções públicas no exterior, que imponham obrigações de hierarquia e fidelidade ao Estado estrangeiro (no caso, o Brasil), de natureza estável e tendencialmente definitiva. Não pode, desta forma, ser considerada e nem interpretada a aceitação de um emprego, o simples fato ou simples circunstância de ter exercido uma atividade de trabalho qualquer, público ou particular, ou o simples fato de ter se estabelecido no país e ter criado uma família, incluindo-se na vida social e econômica da cidade.

Após a delimitação de tais pontos cruciais para a aplicação interpretativa da Lei da cidadania, o recente julgamento em grau superior realizado pela “Sezioni unite” da Corte di Cassazione italiana reenviou os recursos para nova apreciação perante a Corte D’Appelo di Roma, cassando o primeiro acórdão recorrido.
“Acredita-se que tal decisão venha frear as demasiadas apelações que vinham sendo inconsequentemente ajuizadas com base nesta tese, e que venha também delinear a correta interpretação dos casos que estão sendo ajuizados junto aos novos tribunais italianos competentes, desde julho. Sabe-se que, para muitos tribunais, a constatação e reconhecimento da cidadania italiana é um tema de novo contato e apreciação, e ter um documento que delineie interpretações, facilitará a atuação dos profissionais do setor, bem como promoverá uma maior segurança jurídica. E que todos em campo possam gritar pela merecida vitória!”, frisou a sócia-diretora do ALM Advogadas Associadas, Karla Leal Macedo.
Ainda segundo Karla, a realidade atual é que o Ministero dell’Interno está desistindo de inúmeras apelações que estão em curso em segunda instância junto à Corte D’Appello di Roma; e, em primeira instância, no Tribunal de Roma, não está se manifestando, ou quando o faz, se manifesta sem contestar o mérito do pedido judicial.

Sobre o ALM Advogadas Associadas
O ALM Advogadas Associadas é um escritório com sede no Brasil, Portugal e Itália, que auxilia estrangeiros na busca pela cidadania europeia. Comandada pelas advogadas no Brasil, na Itália e em Portugal, Karla Leal Macedo, mestre em direito pela Universidade de Bolonha, que se dedica principalmente aos processos no Tribunal de Roma, Rebeca Albuquerque, especialista em compliance e em direito internacional, e Vanessa Lopes, especialista em direito civil, atuante em direito imigratório, com mais de 10 anos de experiência em cidadania portuguesa, o ALM Advogadas Associadas nasceu para ser o elo entre história e o futuro, entre o Brasil e a Europa, e para auxiliar no processo que envolve histórias, documentos, pesquisa e aspectos jurídicos ligados ao processo de reconhecimento da cidadania.
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