Com a renúncia ao cargo de premiê, Liz Truss se tornou a terceira primeira-ministra consecutiva a deixar Downing Street antes do final do mandato. Nomeada para a posição no dia 6 de setembro, ela só ficou 45 dias à frente do governo britânico e, em menos de uma semana, teve dois reveses. Truss demitiu o ministro das Finanças, Kwasi Kwarteng, em meio a uma tempestade econômica e política, e, na quarta-feira, 19, recebeu o pedido de demissão de Suella Braverman, ministra do Interior, que renunciou ao cargo alegando ter usado sua conta de e-mail pessoal para enviar um documento oficial para um colega, um “erro” e uma “infração técnica”, pelos quais ela disse aceitar sua responsabilidade. Essas baixas aumentaram ainda mais a desconfiança em Truss, que não era bem vista entre os britânicos. Um levantamento feito pela YouGov mostrava que, entre os membros do partido, 55% estimam que ela deveria renunciar, enquanto 38% queriam que ela permanecesse. Para Igor Lucena, doutor em Relações Internacionais, “o que estamos assistindo são três governos específicos que não conseguiram entregar as promessas de uma economia melhor, mais robusta e internacionalizada”.
Na avaliação do docente, as crises que têm afetado a estabilidade do país estão associadas ao Brexit, à pandemia de Covid-19, e, por fim, à guerra da Ucrânia. “O dano econômico torna muito difícil ações de comércio exterior e melhora na empregabilidade, impactando na inflação e emprego”, explica Lucena. A taxa de inflação no Reino Unido alcançou 10,1% em ritmo anual em julho – o maior patamar em 40 anos, segundo dados do Escritório Nacional de Estatística (ONS). O último grande registro ocorreu em fevereiro de 1982. O índice ficou acima das previsões de economistas consultados em uma pesquisa da Reuters, que esperavam que a inflação chegasse a 9,8% em julho. Os planos de Truss para combater esse cenário apresentava risco desde o começo. Inclusive, seu rival, o ex-ministro das Finanças Rishi Sunak, havia alertado que os cortes de impostos não financiados piorariam a situação da inflação, em seu nível mais alto em décadas.
“A queda de Truss se deu basicamente porque seu plano econômico era um desastre do ponto de vista fiscal”, avalia Lucena. “No momento de alta inflação ela queria cortar imposto, e quando você faz isso com a inflação alta, o efeito é que as pessoas têm menos rendas disponível”, segue. Para o especialista em Relações Internacionais, isso faz com que “o crescimento não aconteça, o que aumenta o descontrole fiscal aumentado e, na prática, gera mais desemprego e não crescimento”. A dois anos das próximas eleições parlamentares – marcada para 2025 –, a oposição trabalhista se sobressai frente aos conservadores nas pesquisas. Lucena diz que, se as eleições fossem hoje, a oposição venceria, porque o partido conservador está desacreditado. Após a renúncia de Truss, o líder da oposição, Keir Starmer, exigiu eleições imediatas no Reino Unido. “Os conservadores não podem responder à sua última confusão simplesmente estalando os dedos e mudando os que estão no topo sem o consentimento do povo britânico. Precisamos de eleições gerais agora”, declarou em um comunicado. Porém, não é isso que vai acontecer. Segundo o Presidente do Comitê de 1922, Graham Brady, o novo primeiro-ministro vai ser designado até 28 de outubro, mas ainda não está claro sobre como vai ser realizada a eleição.
Alguns possíveis candidatos para a posição já começaram a aparecer, mas ainda não há um favorito. Contudo, Lucena aposta que Sunak, que perdeu a eleição da Truss em setembro, e Jeremy Hunt, atual ministro das Finanças, sejam as opções mais certeiras para assumir o governo britânico. Independente de quem for escolhido, o especialista adianta que o Brexit foi fundamental para os problemas do Reino Unido e que os efeitos ainda serão sentidos. “O próximo premiê terá que encarar um cenário de recessão em 2023, mas muito mais que isso: terá que fazer uma política austera, com aumento de impostos ou diminuição de gastos públicos, porque o objetivo principal agora tem que ser reformas da máquina pública inglesa e, principalmente, combate a inflação”. Ele adianta que o Reino Unido não vai voltar a crescer se não tiver “combate a inflação e a realização de acordos internacionais que tornem a economia dinâmica, o que foi prometido com a saída do Brexit e não foi entregue”.