O Catar virou destaque internacional desde que foi anunciado em 2010 como país sede da 22ª edição da Copa do Mundo. Esse país, com quase três milhões de habitantes, é um dos mais ricos – ele ocupa a quarta posição no ranking da Global Finance, com um PIB per capita de US$ 112.789, atrás de Luxemburgo, Cingapura e Irlanda. A enorme riqueza é algo que desperta curiosidade, principalmente quando se leva em consideração que ele saiu de um dos mais pobres para um dos mais ricos em cinquenta anos, e na última década sempre se manteve entre as 10 primeiras posições. Mas, de onde vem a riqueza do Catar? Samuel Feldberg, cientista político e pesquisador do Centro Dayan da Universidade de Tel Aviv, diz que a resposta é simples: petróleo e reservatórios de gás. “Em 1940 descobriam petróleo no Catar, e na sequência se descobriu também enormes reservatórios de gás natural, e como no país apenas 10% da população é nativa e o restante são trabalhadores estrangeiros, então você tem uma riqueza alta”, explica o especialista. Primeira descoberta foi feita no campo de Dukhan e foi fundamental para que a economia do país mudasse.
Apesar da descoberta em 1940, foi só a partir de 1977 que os cataris se nacionalizaram no setor e a QatarEnergy se tornou a principal do país. De acordo com um relatório do Banco Mundial, o país do Oriente Médio tem as maiores reservas de gás natural do mundo – North Field, offshore, é um dos maiores campos. Feldberg explica que quando se tem um PIB que gira entorno dos US$ 100 bilhões e uma população pequena, se tem uma alta renda per capita. Informação confirmada pelo Global Finance, que diz que o Catar se beneficia de proporções. Porque enquanto suas reservas de petróleo e gás são grandes, sua população é pequena (cerca de 2,8 milhões de pessoas). Contudo, apesar desses recursos serem os responsáveis pela economia do país, Feldberg conta que os cataris já se preocupam com o futuro, pois sabem que uma vez que eles acabarem, não terá mais, por isso “as autoridades do Catar previram esse cenário e passaram a administrar um fundo de investimento que também é um dos maiores do mundo, que recebe os recursos da exportação de gás e petróleo e investe em empresas ao redor do mundo”, diz Feldberg.
Até o começo da Segunda Guerra Mundial, a população catari fazia exploração de pérolas, pescas e o comércio, atividades que hoje em dia são praticamente inexistentes. O país era colônia britânica até 1971, quando, em 3 de setembro, conseguiu oficialmente sua independência do Reino Unido e se tornou um Estado soberano. Com um território menor que o Estado de Sergipe, o Catar distribui benefícios para os moradores como forma de incentivo para contar com a lealdade e apoio dos catarianos. Ou seja, eles não precisam pagar impostos, tem sistema de saúde e educação superior gratuitos, subsídio para conta de energia, boas aposentadorias, entre outros. Entretanto, apesar de suas riquezas, o Catar tem zero tradição no futebol e mesmo assim está sediando a primeira Copa do Mundo no Oriente Médio. Para Feldberg, esse é um momento de dar visibilidade para o país. “Capacidade de expor aquilo que ele tem para oferecer, inclusive com muita flexibilidade”, diz, citando como exemplo o fato de haver cerca de 15 mil israelenses visitando o Catar, mesmo sem ter relações diplomáticas entre os países. “Eles trataram essa questão de forma muito prática para permitir que o mundo tivesse uma visão favorável do Catar neste momento”, acrescenta o especialista, se referindo à realização do torneio na região e aos objetivos do país.
Feldberg explica que “até o Catar surgir nas notícias em função da Copa do Mundo, quando havia alguma notícia sobre o país, sempre era relacionado à sede do Al Jazeera [rede de televisão] ou tinha algo a ver com apoio do Catar aos grupos islâmicos no Oriente Médio, a irmandade muçulmana no Egito ou com o apoio ao Hamas na Faixa de Gaza. Não tinha nenhuma notícia positiva em relação ao país”. O interesse do país em sediar a Copa desencadeou em um documentário de rádio, denominado “Como vencer a Copa do Mundo“, produzido pela BBC Radio 4. Nele, os especialistas ouvidos explicam que pelo fato do Catar saber que nunca vai ter um grande exército para garantir sua segurança, ele apostou em outra estratégia internacional para se proteger. “O Catar se vê seguindo um modelo estabelecido no século 17 pelo próprio profeta Maomé, que criou em Medina um lugar onde tribos que estivessem competindo entre si pudessem conviver em sociedade, e disso nasceu o próprio islã”, explica no documentário Allen Fromherz, diretor de Estudos de Oriente Médio da Universidade do Estado da Geórgia e autor de livros sobre a história do Catar. “Então, o Catar vê seu papel como uma reflexão de algo profundo não só da cultura árabe, mas do islã, de trazer a resolução de conflitos na região, e em consequência obter uma recompensa para seu próprio povo, que é a autoridade. É exatamente isso que o Catar tem tentado ser, um fórum”, acrescentou.
No documentário, ele relata também que a “Copa do Mundo meio que representa simbolicamente esse papel mais amplo em que o Catar se vê, de ‘somos quem negocia soluções, somos uma parte indispensável desta região e deste mundo, e será muito ruim se formos engolidos por um vizinho, ou se formos ameaçados apesar da nossa imensa riqueza’. Então é uma política de proteção, mas também de projeção.” Ao mesmo tempo em que a região abriga uma base militar dos Estados Unidos desde 1996, o país assinou um acordo de fornecimento de gás natural liquefeito (GNL) para a China por 27 anos, o pacto de maior duração da história do setor. O anúncio, feito nesta semana, acontece em um contexto em que vários países europeus buscam alternativas aos hidrocarbonetos da Rússia, mas que não chegaram a um acordo deste tipo com o emirado do Golfo, rico em gás. A North Field está no centro da estratégia do Catar para aumentar em 60% sua produção de GNL, até alcançar 126 milhões de toneladas por ano até 2027.
No documentário “Como vencer a Copa do Mundo”, o jornalista investigativo de esportes Tariq Panja pontua que a Copa foi crucial para o país obter apoio internacional, principalmente quando o país estava sendo acusado pelos vizinhos de patrocinar o terrorismo e foi imposto a ele um bloqueio comercial que durou quatro anos, classificado por Samuel Feldberg como um boicote. “Se ninguém tivesse ouvido falar desse lugar, a gente se importaria com o caso? Acho que não. Talvez dê segurança pela notoriedade. Não é só o Catar, é ‘o Catar, sede da Copa’. Algo que carrega certo poder”, conclui Panja.