Governo somali anunciou uma 'revolta do povo', pois busca pressionar grupo de extremistas islâmicos de todos os ângulos, incluindo financeiros. Levante está sendo descrito como ofensiva mais significativa contra organização em mais de uma década. Moradores e autoridades lideram uma manifestação de apoio ao governo no estádio Banadir, Mogadíscio, quinta-feira, 12 de janeiro de 2023.
AP Photo/Farah Abdi Warsameh
Por 13 anos, extremistas da afiliada da Al-Qaeda na África Oriental, o Al-Shabab, controlaram o vilarejo de Mohamud Adow, no centro da Somália, impondo duras ideologias e prendendo professores locais e líderes tradicionais. Então, chegou a notícia de que as forças somalis em uma surpreendente ofensiva nacional haviam expulsado os combatentes das aldeias próximas.
Um pequeno grupo de residentes escapou em uma noite de agosto de 2022 para se encontrar com comandantes de tropas somalis e os convidou para sua aldeia de Rage-El. Adow, de 80 anos, estava entre os que pegaram em armas, juntando-se a uma milícia local que lutava ao lado das forças somalis em batalhas rurais com precárias armas.
“As pessoas viviam em agonia”, disse Adow, uma das várias testemunhas entrevistadas pela Associated Press.
No que está sendo chamado de “guerra total” pelo governo do presidente Hassan Sheikh Mohamud, eleito em maio do ano passado, Adow e outros em toda a nação do Chifre da África estão sendo encorajados a enfrentar os extremistas do Al-Shabab, que há muito se infiltram na sociedade somali, explorando divisões de clãs e extorquindo milhões de dólares por ano de empresas e agricultores em sua busca para impor um califado islâmico.
Na quinta-feira (12), o governo da Somália anunciou uma “revolta do povo”, pois busca pressionar o Al-Shabab de todos os ângulos, incluindo os financeiros. O levante está sendo descrito como a ofensiva mais significativa contra o grupo extremista em mais de uma década — e, desta vez, os combatentes somalis estão na liderança, apoiados pelas forças dos Estados Unidos e da União Africana.
Os milhares de combatentes do Al-Shabab impediram a recuperação do país após décadas de conflito, realizando ataques na capital, Mogadíscio, e em outros lugares. Ao longo dos anos, diversos países, da Turquia à China, passando pelos da União Europeia, investiram em treinamento militar e outros tipos de apoio antiterrorista.
No fim de semana passada, os EUA fizeram uma doação pequena, mas simbólica, de US$ 9 milhões em armas pesadas e equipamentos para o Exército Nacional da Somália, cujas habilidades há muito são questionadas. Isso porque os militares se preparam para, a partir do fim do ano que vem, assumirem a segurança do país, que hoje está nas mãos de uma multinacional da União Africana.
“Aplaudimos o sucesso alcançado pelas forças de segurança da Somália em sua luta histórica para libertar as comunidades somalis que sofrem sob o Al-Shabab”, disse o embaixador dos EUA, Larry Andre.
O governo da Somália afirmou que mais de 1.200 militantes foram mortos desde agosto, de acordo com um banco de dados mantido pelo analista do International Crisis Group, Omar Mahmood. Tais alegações não podem ser verificadas.
Presença do Al-Shabab na comunidade somali
Um ponto-chave para o progresso da ofensiva é uma população levada aos extremos pela seca histórica que atinge a região. À medida que os animais e as plantações murcham e morrem e milhões de pessoas passam fome, os somalis que fogem das comunidades controladas pelo Al-Shabab descrevem as duras exigências fiscais dos extremistas.
“Eles estão sendo alugados como casas; eles estão dizendo que seus animais estão sendo levados sem permissão. Até a criança nascida esta noite terá que pagar”, disse o general Abdirahman Mohamed Tuuryare, que lidera a ofensiva contra o Al-Shabab na região de Middle Shabelle.
Os residentes também testemunharam o Al-Shabab forçando filhos a se tornarem homens-bomba e executando pessoas sem discernimento.
Tuuryare descreveu uma batalha sangrenta no ano passado na comunidade Masjid Ali-Gadud, na qual ele estimou que 200 combatentes do Al-Shabab e “muitos” soldados foram mortos. Levou tempo para persuadir os residentes a retornarem a uma comunidade tão rigidamente controlada que até mesmo as escolas corânicas foram fechadas: funcionavam apenas centros de treinamento de bombardeiros e soldados.
Depois de 15 anos sob a doutrinação do Al-Shabab, disse Tuuryare, os residentes acharam difícil entender que outros somalis vieram para ajudá-los.
Um morador, Ibrahim Hussein, ainda estava se ajustando. Os combatentes do Al-Shabab recrutaram adolescentes à força e forçaram as mulheres a se casar, disse ele à Associated Press, e as pessoas consideradas culpadas de adultério seriam apedrejadas até a morte ou açoitadas publicamente.
Mesmo assim, Hussein considerava a segurança boa.
“Por exemplo, quando é convocada uma oração, todos vão em direção à mesquita sem fechar suas propriedades. Ninguém pode tocá-las. Se alguém for encontrado roubando, ele ou ela enfrentará a amputação de um membro ou membros”, relatou.
O presidente da Somália, Hassan Sheikh Mohamud, lidera uma manifestação no estádio Banadir, Mogadíscio, quinta-feira, 12 de janeiro de 2023.
AP Photo/Farah Abdi Warsameh
Próximos passos
Conquistar essas comunidades e mantê-las com uma administração eficaz são os principais desafios para o governo eliminar o Al-Shabab ainda em 2023. Outro ponto importante é impedir que as milícias locais que trabalham com as forças somalis acumulem poder e se transformem em uma nova ameaça.
“As forças locais não devem lutar entre si, não devem se transformar em bandidos”, disse o general Tuuryare, acrescentando que o governo apoia o treinamento e a colocação de milicianos.
“Se tudo isso der errado e acontecer [da influência do Al-Shabab] voltar, não será fácil reorganizar”, afirmou Tuuryare.
Ele expressou seu desejo de mais apoio militar dos EUA, incluindo mais ataques de drones contra o Al-Shabab, e uma campanha por parte dos norte-americanos no Conselho de Segurança da ONU para suspender o embargo de armas à Somália, o que facilitaria o acesso a armas pesadas.
Em uma análise para o Centro de Combate ao Terrorismo, a ex-assessora de segurança do governo somali Samira Gaid alertou que o sucesso da ofensiva pode ser passageiro caso o governo da Somália, ainda frágil, não se concentre em conquistar corações e mentes e não aborde as rivalidades de clãs que o Al-Shabab criou e há muito tem usado a seu favor.
“Esta ainda é uma ofensiva notável porque, pela primeira vez, vemos um despertar cidadão apoiado pelo governo federal”, disse Gaid.
Durante anos, os somalis viram a luta contra o Al-Shabab liderada por forasteiros, como a União Africana ou tropas dos vizinhos Etiópia e Quênia.
Agora, os quenianos estão aumentando a segurança ao longo da fronteira para encontrar extremistas foragidos. Enquanto isso, os Estados Unidos anunciaram recompensas milionárias para quem entregar líderes do Al-Shabab acusados de grandes ataques.
Um destes atentados aconteceu em outubro, quando um ataque da organização matou pelo menos 120 pessoas em um cruzamento movimentado em Mogadíscio.
Ainda assim, para os somalis, há esperança.
Hassan Ulux é um ancião de 60 anos que deixou sua comunidade de War-isse há uma década. Ele temia retornar até que a região foi recentemente retirada da dominação do Al-Shabab.
"Louvado seja Alá. Agora eles estão fugindo. Agora podemos falar sobre educação e normalidade", disse Ulux.
Moradores e autoridades lideram uma manifestação de apoio ao governo no estádio Banadir, Mogadíscio, quinta-feira, 12 de janeiro de 2023.
AP Photo/Farah Abdi Warsameh
Fonte: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2023/01/22/somalia-retoma-controle-e-lidera-luta-contra-al-shabab.ghtml