Mobilizações pela renúncia de Dina Boluarte duram quase dois meses. Entre os manifestantes estão os 'desativadores', grupo especializado em neutralizar bombas de gás lacrimogênio. Manifestantes anti-governo pegam bombas de gás lacrimogêneo jogadas contra eles em Lima, Peru, em 28 de janeiro de 2023
Guadalupe Pardo/AP
Um manifestante foi morto neste sábado (28) em Lima, elevando para 58 o número de mortos durante protestos no Peru, que já duram quase dois meses, para exigir a renúncia da presidente Dina Boluarte, bem como de membros do Congresso.
Os protestos se multiplicaram no Peru desde que Boluarte assumiu a presidência em 7 de dezembro, depois que o Parlamento votou pela saída do então presidente Pedro Castillo quando ele tentou dissolver o Congresso.
Victor Santisteban Yacsavilca, de 55 anos, foi ferido gravemente na cabeça enquanto se manifestava na rua Abancay, no centro histórico de Lima. Ele morreu no hospital na noite de sábado. Outro homem também foi ferido e está internado em uma unidade de terapia intensiva.
Em outra área do centro histórico, próximo a Plaza San Martín, centenas de manifestantes permaneceram até tarde da noite. Vários começaram a dançar, outros fizeram uma fogueira com troncos e um casal de músicos tocou uma música de protesto.
Então, a polícia chegou e os dispersou jogando dezenas de bombas de gás lacrimogêneo. Para se protegerem do gás, surgiu uma função diferenciada entre os manifestantes: o desativador. Ele corre em direção à bomba para neutralizá-la. (Leia mais abaixo)
Os chamados ‘desativadores’ carregam grandes garrafas plásticas cheias de uma mistura de água, bicarbonato de sódio e vinagre, para neutralizar o efeito das bombas de gás lacrimogênio durante confrontos com a polícia em Lima, Peru
Martin Mejia/AP
Vários clientes em um bar ao lado da Plaza San Martin bebiam mojitos enquanto assistiam ao protesto, mas abandonaram seus copos e fugiram quando o gás lacrimogêneo invadiu a área.
Em seguida, as ruas ao redor da praça ficaram em silêncio a ponto de se poder ouvir o canto dos grilos que habitam os jardins da praça.
"Eles são uns malditos, mas não vamos nos cansar", disse Julián Martínez, que tinha uma bandeira peruana nas costas com a frase: "Dina assassina".
As mobilizações deixaram 58 mortos, um deles um policial que estava dentro de uma viatura que foi incendiada.
O que fazem os desativadores?
Manifestantes anti-governo se refugiam atrás de um escudo durante confrontos com a polícia, em Lima, Peru, em 28 de janeiro de 2023
Martin Mejia/AP
Quando a polícia dispara gás lacrimogêneo contra manifestantes, a maioria foge. Alguns, no entanto, correm em direção às bombas de gás o mais rápido possível - para neutralizá-las.
Estes são os "desativadores". Vestindo máscaras de gás, óculos de segurança e luvas grossas, esses voluntários pegam as latas quentes e as jogam dentro de grandes garrafas plásticas cheias de uma mistura de água, bicarbonato de sódio e vinagre.
Os chamados ‘desativadores’ tentam para neutralizar uma bomba de gás lacrimogêneo durante um protesto em Lima, Peru, em 28 de janeiro de 2023
Martin Mejia/AP
Os desativadores fizeram sua estreia nos protestos de rua do Peru em 2020, inspirados por manifestantes em Hong Kong que, em 2019, revelaram novas estratégias para neutralizar os efeitos do gás.
Com os manifestantes em Lima enfrentando ataques quase diários de gás lacrimogêneo, mais pessoas se juntaram às fileiras de desativadores tentando proteger o grupo e manter os protestos.
"Se não desativarmos, as pessoas se dispersam e o protesto acaba", disse Gutiérrez.
Ao jogar os cartuchos de gás lacrimogêneo quente na solução de água, "o que eles fazem é extinguir a carga pirotécnica para que o gás lacrimogêneo não possa mais sair", disse Sven Eric Jordt, professor de anestesiologia da Duke University, nos Estados Unidos.
A água sozinha poderia alcançar o efeito que os manifestantes querem, embora o dióxido de carbono criado pela mistura de vinagre e bicarbonato de sódio possa "formar um banho de espuma que sufoca ainda mais a carga", especulou Jordt.
Com medo de serem alvo da polícia, muitos dos desativadores preferem permanecer anônimos, mantendo seus rostos cobertos mesmo quando não há gás lacrimogêneo por perto.
A carência de equipamentos de proteção também aumenta o risco dos manifestantes ficarem feridos. De 19 a 24 de janeiro, os Médicos Sem Fronteiras trataram 73 pacientes nos protestos de Lima que sofriam de exposição a gás lacrimogêneo, ferimentos de balas de borracha, contusões ou sofrimento psicológico, disse a organização sem fins lucrativos.
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Entenda os protestos
Os protestos, que começaram no interior do país, mudaram-se na semana passada para Lima , onde um grupo de mais de mil manifestantes marchou pela primeira vez ao longo da principal avenida que liga a parte norte da capital com o centro histórico.
Os manifestantes exigem:
Saída de Dina Boluarte da presidência;
Renúncia dos membros do Congresso;
Convocação de uma assembleia constituinte;
Antecipação das eleições;
Justiça para os que morreram durante os protestos.
Alguns manifestantes exigem também a libertação e a reintegração de Castillo como presidente.
Na sexta-feira, um projeto de lei que buscava antecipar as eleições gerais para o final de 2023 não foi aprovado pelo plenário do Congresso: 45 parlamentares votaram a favor, 65 contra, 2 se abstiveram.
Os parlamentares apresentaram pouco antes do encerramento do plenário parlamentar uma reconsideração da votação que rejeitou o projeto de antecipação das eleições.
A presidência do Peru lamentou que o Congresso não tenha definido uma data para o avanço das eleições gerais, conforme solicitado por milhares de peruanos, entre outras demandas durante os protestos incessantes.
"O Peru não está mais interessado no que o Congresso faz. O Congresso não é necessário para o povo peruano. Vamos continuar na marcha, a polícia tem que se cansar, a gente vê o cansaço deles, a gente vai entrar lá", disse Juan Cruz, um manifestante usando um capacete laranja.
A Defensoria Pública disse no sábado que houve bloqueios em 80 pontos e um confronto entre manifestantes e motoristas em Cusco.
Soldados entram em confronto com manifestantes anti-governo do lado de fora do aeroporto de Arequipa, no sul do Peru, em 20 de janeiro de 2023
José Sotomayor/AP
Fonte: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2023/01/29/sobe-para-58-o-numero-de-mortos-em-protestos-no-peru.ghtml