A fadiga por compaixão é uma resposta natural à superexposição ao sofrimento, mas é possível reconstruir a empatia. Depende de como a mídia e os usuários de redes sociais representam as crises. Um casal fica em frente a fotos exibidas em um memorial para os soldados mortos na guerra da Ucrânia, centro de Kiev, 24 de fevereiro de 2023.
SERGEI CHUZAVKOV / AFP
É comum desviarmos o nosso olhar de notícias ou postagens nas redes sociais sobre guerra e violência. Afinal, somos constantemente bombardeados com imagens de eventos traumáticos quando estamos online.
Esse fenômeno, chamado fadiga por compaixão, provoca uma diminuição gradual da compaixão ao longo do tempo. E nos tira a capacidade de reagir e ajudar quem precisa.
"Senti isso depois da invasão da Ucrânia", disse Jessica Roberts, professora de ciências da comunicação da Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa. "Quando ouvi falar das atrocidades pela primeira vez, foi horrível. Mas, depois, quando ouvi sobre [atrocidades em] outra cidade, a minha reação foi menos extrema."
A fadiga por compaixão, porém, não precisa ser permanente. Como Susan Sontag escreveu em seu livro Diante da dor dos outros, de 2003, "a compaixão é uma emoção instável, e precisa ser traduzida em ação – ou ela murcha".
Então, como podemos transformar a compaixão em ação? A DW encontrou estudos e conversou com especialistas sobre como a compaixão pode tanto se esvair como também ser reconstruída.
Fadiga por compaixão e insensibilidade à violência
Brad Bushman, um pesquisador de mídia da Ohio State University, nos EUA, conduziu experimentos que ilustram como a violência em mídias como videogames e filmes pode dessensibilizar as respostas das pessoas ao sofrimento ou à violência na vida real.
Em um estudo feito por Bushman e seus colegas, um grupo de alunos jogou um videogame violento, e outro grupo, um jogo não violento, ambos por 20 minutos. Após o jogo, todos os 320 participantes foram instruídos a responder um questionário. Porém, durante esse tempo, eles ouviram uma briga no corredor do lado de fora da sala.
"Na realidade, era uma gravação de atores profissionais simulando uma briga. Também tínhamos um assistente de pesquisa do lado de fora da sala chutando uma lata de lixo e, depois, gemendo", disse Bushman à DW.
Assim, os pesquisadores mediram quanto tempo levou para os participantes ajudarem o assistente que supostamente havia participado de uma briga e gemia do lado de fora: em média, as pessoas que jogaram o jogo não violento levaram 16 segundos; já os que jogaram o jogo violento, 73 segundos.
Bushman disse que os participantes que jogaram o jogo violento relataram que a briga era menos séria do que aqueles que jogaram o jogo não violento.
Seria simplório concluir que videogames violentos geram violência. Mas, nos experimentos de Bushman, jogos violentos parecem mudar temporariamente as respostas das pessoas à violência no mundo real.
"Ver imagens violentas faz com que as pessoas fiquem insensíveis e pensem que a violência não é um grande problema. A consequência no mundo real é que temos uma probabilidade menor de ajudar alguém que é vítima de violência", contou Bushman.
Fadiga por compaixão é uma forma de proteção emocional
De acordo com Bushman, o mecanismo psicológico subjacente por trás da fadiga por compaixão é a dessensibilização.
"É realmente uma espécie de filtragem emocional ou de atenção que nos protege de um sofrimento que se torna estressante ou traumático demais para lidar", disse Bushman.
Também é possível detectar a dessensibilização em relação a imagens violentas nas respostas fisiológicas das pessoas ao estresse.
"Se medirmos as respostas cardiovasculares ou as ondas cerebrais [usando eletroencefalografia], veremos que as respostas de choque fisiológico a imagens violentas serão atenuadas nas pessoas que acabaram de jogar um videogame violento", disse Bushman.
Entretanto, ele argumentou que a dessensibilização à violência e ao trauma pode ser uma estratégia de adaptação importante para profissionais cujo trabalho envolve a exposição frequente a eventos traumáticos, como soldados, trabalhadores humanitários e médicos.
O problema surge quando essa dessensibilização é detectada na população "comum".
"Essa adaptação é um dos mecanismos que estimulam mais agressão e violência na sociedade", afirmou Bushman, referindo-se a uma pesquisa que mostra como o conflito em Israel e na Palestina intensifica a violência em crianças.
Muitas pessoas já não mais se sensibilizam com as imagens do sofrimento na Ucrânia
Andriy Andriyenko/AP Photo
Fadiga por compaixão em relação a refugiados
Yasmin Aldamen, da Universidade Ibn Haldun, em Istambul, enfatizou os perigos de como a fadiga por compaixão pode levar a uma maior violência e discurso de ódio na sociedade. A pesquisa de Aldamen se concentra no impacto que a fadiga por compaixão e as representações negativas da mídia têm sobre os refugiados sírios na Turquia e na Jordânia.
"Descobrimos que destacar imagens e mensagens negativas sobre refugiados na mídia abre as portas para que o público perca a empatia por eles – ou até mesmo tenha ódio pelos refugiados", disse Aldamen à DW.
Infelizmente, essas conclusões não são novas ou surpreendentes: a violência contra refugiados e migrantes existe desde que os humanos têm fugido de conflitos para outros lugares. A novidade é a rapidez com que a mídia e as redes sociais podem estimular a fadiga por compaixão e, consequentemente, o discurso de ódio e o racismo.
É algo que vemos repetidas vezes, por exemplo, após parte da população fugir da tomada do Afeganistão pelo Talibã, e com os refugiados fugindo da guerra na Ucrânia e das mudanças climáticas no norte da África.
"Há evidências mostrando que, após um desastre, as pessoas dão menos dinheiro ao longo do tempo. E isso já está acontecendo com as vítimas do terremoto na Turquia e na Síria", disse Roberts, da Universidade Católica Portuguesa.
A fadiga por compaixão é temporária e pode ser revertida
A fadiga por compaixão pode ser revertida, de acordo com Roberts e Aldamen. Elas dizem que as pessoas podem reconstruir a capacidade de compaixão ao longo do tempo.
"Podemos usar as redes sociais para criar empatia e compaixão entre as pessoas. Em nossa pesquisa, analisamos o [fotoblog e livro de relatos de rua e entrevistas] Humans of New York, que se concentra nas histórias positivas sobre a vida das pessoas, em vez de seus traumas. E isso ajudou a criar grande empatia", contou Roberts à DW.
Aldamen tem uma missão semelhante: ela pede aos meios de comunicação e às pessoas nas redes sociais que mudem a forma como representam os refugiados e outras populações vulneráveis.
"Meu estudo recomenda reportar a crise dos refugiados sírios [e outras crises] com uma perspectiva mais humanista. Os veículos de mídia precisam exibir algumas das histórias mais positivas sobre a crise dos refugiados, para garantir que o público não sofra a fadiga por compaixão devido à exposição a histórias trágicas", disse Aldamen à DW.
Ela também contou que é importante que as notícias incluam chamados à ação de indivíduos ou formuladores de políticas públicas para que os leitores possam ajudar os necessitados, em vez de apenas observar uma crise que acham que não pode ser resolvida.
Fonte: https://g1.globo.com/mundo/ucrania-russia/noticia/2023/02/24/apos-um-ano-de-guerra-na-ucrania-tendencia-e-ter-menos-empatia-por-vitimas-do-conflito-entenda.ghtml