29/05/2023 às 16h34min - Atualizada em 30/05/2023 às 06h03min

Ucrânia usa grupos neonazistas para invadir a Rússia e dão presentes como carros de luxo para os desertores russos

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Uma das muitas táticas usadas na guerra é tentar convencer soldados do inimigo a desertar e mudar de lado. Na Guerra Civil Espanhola (1936-1939), atiradores de metralhadoras do lado republicano se comunicavam com as tropas de Francisco Franco, na trincheira oposta, usando megafones. “Torrada com manteiga! Estamos apenas nos sentando para comer torradas com manteiga aqui! Lindas fatias de torrada com manteiga!”, diziam os homens, segundo relato do escritor britânico George Orwell, no livro Homenagem à Catalunha e Recordando a guerra espanhola. O objetivo era fisgá-los pelo estômago. “É claro que tal procedimento não se encaixa na concepção inglesa de guerra. Admito que fiquei admirado e escandalizado quando o vi pela primeira vez. A ideia de tentar converter seu inimigo em vez de atirar nele!”, escreve Orwell.

Na atual invasão russa da Ucrânia, a estratégia tem sido usada com sucesso pelos ucranianos. Russos que estabeleceram algum contato com os serviços de inteligência do governo de Kiev ganharam armas e veículos ocidentais, como os jipes americanos Humvee. Eles hoje vivem na Ucrânia e começaram a realizar invasões em território russo. Com isso, pretendem recrutar mais homens e ganhar mais armas para fazer novas incursões, até alcançarem o objetivo final: depor o presidente russo Vladimir Putin, no Kremlin.

Na segunda, 22, russos de duas milícias, Legião da Liberdade da Rússia (foto) e o Corpo de Voluntários Russos (RVC, na sigla em inglês), formaram um comboio com cerca de 150 homens e entraram na região russa de Belgorod. O local fica ao norte da Ucrânia, afastado de onde ocorrem hoje os principais combates, ao leste e ao sul. À frente da fila de veículos havia um tanque, que ao se aproximar do posto de fronteira espantou todos os que estavam ali para defender o local. Um guarda se escondeu no porão por várias horas e foi levado prisioneiro. Em território russo, eles incendiaram fábricas, derrubaram um helicóptero e tomaram três povoados. Um dia depois, já estavam de volta para a Ucrânia.

Em entrevista ao jornal Novaya Gazeta, censurado pelo Kremlin, um dos participantes da operação explicou a lógica da breve operação: “Estamos apenas aprendendo. Nosso poder está crescendo. Nós vamos melhorar. Vamos organizar novas incursões. Desta vez, tentamos o centro do distrito. Da próxima vez, tentaremos chegar ao centro de toda a região”.

Autoridades da Ucrânia disseram que estavam cientes da ação, mas negaram qualquer interferência. Com o Kremlin acusando o governo de Volodomyr Zelensky de envolvimento, o porta-voz do serviço de inteligência da Ucrânia, Andriy Yusov, retrucou afirmando que os dois grupos são formados exclusivamente por russos. Com isso, fica mais difícil fazer alguma conexão. Entre os integrantes que tiveram suas identidades por mostrarem seus rostos em imagens publicadas nas redes sociais, de fato, todos são cidadãos russos. Entre eles, há um pouco de tudo. Um deles foi condenado em Moscou por participar de um grupo extremista neonazista. Outro foi preso em 2020 em Kiev por espalhar o manifesto do homem que entrou atirando em uma mesquita na Nova Zelândia. Dois deles trabalharam no serviço de inteligência russo FSB, o sucessor da KGB. Maksimilian Andronnikov, apelidado de César, vivia em Sochi, estância turística russa, e participou do Movimento Imperial Russo, também de viés neonazista. As revelações sobre a identidade desses paramilitares evidencia um giro completo e irônico nesta guerra. Se Putin invadiu a Ucrânia dizendo que era preciso “desnazificar” a nação vizinha, agora ele precisa se defender de russos neonazistas invadindo o seu próprio país.

As consequências são múltiplas. Primeiro, esses dissidentes prometem fazer novas invasões. Eles falam em criar uma zona de segurança na fronteira para proteger civis ucranianos da artilharia russa e conquistar cidades maiores. Isso demandará ações de Moscou. “A nova ameaça obrigará as Forças Armadas Russas a deslocar soldados e tanques para áreas ao norte, reduzindo o efeito em zonas que devem ser alvo da contraofensiva ucraniana, no leste e no sul”, diz o coronel da reserva Paulo Roberto da Silva Gomes Filho. Se essas invasões prosseguirem, então também pode-se esperar que eles recrutarão novos membros e oferecerão mais perigo dentro da Rússia.

Na semana passada, bexigas azuis e brancas ergueram nos céus de Moscou uma bandeira da Rússia, mas com uma faixa branca no lugar da vermelha. A ideia desse símbolo é trocar a cor que para alguns representa o sangue e a violência pela da paz. A bandeira era ostentada nos protestos civis, que foram duramente reprimidos, e agora aparece bordada nos uniformes dos militares russos que fizeram a incursão em Belgorod. Na noite de quarta, 24, o prédio do Ministério de Defesa Russo foi envolvido por uma nuvem de fumaça. As agências oficias negaram que houve um incêndio, e levantou-se a suspeita de que seria uma ação contra o governo. Putin, que deflagrou uma guerra sem qualquer necessidade ou motivo, acaba de ganhar mais uma coisa com a qual se preocupar.

Revista CrusoÉ

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