O conflito entre Rússia e Ucrânia não é o único que acontece na atualidade. Apesar deste ser o que está sendo mais repercutido no momento, existem outros que também estão deixando dezenas de mortos, feridos e refugiados. Kai Enno Lehmann, professor associado do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP), explica que trata-se de “conflitos de baixa intensidade”, e o mesmo pode acontecer com a guerra da Ucrânia se ela deixar a atenção pública. “Para Zelensky, é importante que o conflito continue na consciência pública mundial por muito tempo”. Caso contrário, será mais um que ficará de lado.
A repercussão em relação a esse conflito fez com que gerasse uma dúvida sobre o porquê dele estar tendo tanta visibilidade em relação a outros que já duram anos. Leonardo Paz, analista de inteligência da Fundação Getúlio Vargas, explica que “o que acontece na Europa e Estados Unidos tem mais visibilidade do que no resto do mundo ocidental”. Ele cita o caso da crise dos refugiados e diz que só quando o problema chegou em solo europeu passou a ser considerado um problema. O cientista político Leandro Consentino ressalta que esses dois locais são o “coração do mundo”, por isso o que acontece por lá ganha mais visibilidade.
A falta de visibilidade, porém, não faz com que os conflitos que estão em curso acabem. Pelo contrário, eles seguem acontecendo e destruindo cidades, pessoas e cultura. De acordo com o Projeto de Dados de Localização e Eventos de Conflitos Armados (Acled, sigla em inglês), pelo menos outros 28 países estão em conflito ou registraram algum combate armado em 2022. Enquanto o mundo se volta para a Ucrânia e os países ocidentais enviam ajuda militar para que ela possa se defender, outras soberanias estão lutando sozinhas para não perder o seu território. Três desses conflitos possuem mais de dez anos, como é o caso de Afeganistão, Iêmen e Síria.
Já são mais de 20 anos de conflito no Afeganistão. A guerra que por muito tempo dominou a mídia, agora foi deixada de lado. A invasão americana no país foi realizada após o ataque de 11 de setembro e tinha como objetivo principal deter o Talebã, o qual o governo dos Estados Unidos alegava ser o principal responsável pelo ataque que aconteceu em seu território. Segundo o secretário-geral da ONU, António Guterres, se não houver uma ação imediata, “enfrentaremos uma crise de fome e desnutrição no Afeganistão”. Desde que o país foi tomado pelos islâmicos talibãs em agosto de 2021, a economia afegã entrou em colapso e mais de 24 milhões de pessoas precisam de ajuda humanitária para sobreviver. O Talibã tomou Cabul em uma ofensiva relâmpago, após a retirada apressada das forças estrangeiras lideradas pelos Estados Unidos, presentes no país havia duas décadas.
A guerra no Iêmen acontece desde 2011 e ficou conhecida por causa de uma episódio da Primavera Árabe – Revolução Iemenita — que forçou o presidente Ali Abdullah Saleh a deixar o cargo e colocar Abdrabbuh Mansour Hadi, seu vice, no poder. Os Houthis aproveitaram esse momento para tomar o controle da região central ao norte da província de Saada no começo de 2014. Segundo a ONU, o conflito causou centenas de milhares de mortos e levou este pobre país da península Arábica à beira da fome. Estima-se que 5 milhões de iemenitas estão sem ter o que comer, sendo que 2,3 milhões são crianças menores de cinco anos e estão sofrendo desnutrição aguda. Atualmente o conflito está em uma trégua de dois meses, acordada no dia 2 de abril, em virtude de um acordo mediado pela ONU com as forças pró-governo e os rebeldes Huthis.
Um conflito que já dura mais de dez anos, a guerra na Síria teve início em 2011, quando protestos começaram a ser realizados contra o presidentes Bashar-al-Assad. De acordo com a ONU, já deixou mais de 350 mil mortos e cerca de 200 mil desaparecidos. Recentemente, os sírios se mobilizam para apoiar os ucranianos, compartilhando suas experiências de sobrevivência em bombardeios e ataques químicos e ajudando refugiados após anos de guerra contra as forças russas — que estão presente na região para apoiar Bashar-al-Assad e impedir que a ONU coloque sanções ao mandatário sírio — e o presidente sírio. Algumas regiões do país, como Idlib, têm acordos de cessar-fogo. Entretanto, desde junho de 2021, as forças do governo intensificaram os bombardeios no sul da região.