A Suprema Corte dos Estados Unidos reverteu nesta sexta-feira, 24, a legalização do aborto, permissão que estava e vigor desde 1973 e foi garantida pela decisão Roe vs. Wade, mas que nunca havia sido aceita pela direita religiosa. “A Constituição não faz nenhuma referência ao aborto e nenhum de seus artigos protege implicitamente esse direito”, escreveu o juiz Samuel Alito, em nome da maioria. Neste contexto, Roe vs. Wade “deve ser anulado”, apontou. A votação foi de 6 a 3 e a decisão não torna a interrupção da gravidez ilegal, mas leva os Estados Unidos de volta à situação que prevalecia antes da decisão de 1973, quando cada estado era livre para autorizá-la ou não. Em um país muito dividido, é provável que metade dos estados, especialmente do Sul e Centro mais conservadores e religiosos, possam banir a prática do aborto no curto prazo. Dos 50 estados norte-americanos, 11 já informaram vão continuar protegente o direito ao aborto, em 39 vai haver mudanças, sendo que 9 desses possuem leis restritas.
O interesse em eliminar 49 anos de proteções constitucionais já havia vindo a público no começo de maio quando um rascunho de 98 páginas mostrando a opinião majoritária do tribunal vazou, e, no dia seguinte, houve a confirmação da Suprema Corte sobre as informações que estavam sendo veiculadas. Linda Coffee, única sobrevivente da equipe legal que ganhou o caso em 1973, havia declarado que se a decisão fosse revogada seria péssimo e “custará muito mais a quem não tem um bom plano de saúde e principalmente aos pobres” para ter acesso ao aborto. “Não podem ir a outro estado”, indicou. “Muitos não podem pagar por uma passagem aérea”. Segundo uma pesquisa da Pew Research Center de maio de 2021, para 59% dos americanos o aborto deveria continuar sendo legal na maioria dos casos.
A decisão repercutiu entre as autoridades norte-americanas. A Presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, Nancy Pelosi, criticou a decisão em seu Twitter. “Esta decisão cruel é ultrajante e de cortar o coração”, escreveu. “Mas não se engane: os direitos das mulheres e de todos os americanos estão em votação em novembro”, acrescentou. Pelosi também falou que “as decisões fundamentais de saúde de uma mulher devem ser tomadas por ela mesma” e que “não devem ser ditadas por políticos de extrema-direita”. O Ex-presidente Barack Obama também se pronunciou sobre o assunto. “Hoje, a Suprema Corte não apenas reverteu quase 50 anos de precedente, mas relegou a decisão mais intensamente pessoal que alguém pode tomar”, escreveu em sua conta criticando a decisão e falando que se trata de “caprichos de políticos e ideólogos – atacar as liberdades essenciais de milhões de americanos”.
Today, the Republican-controlled Supreme Court has achieved the GOP’s dark and extreme goal of ripping away women’s right to make their own reproductive health decisions.
— Nancy Pelosi (@SpeakerPelosi) June 24, 2022
Em 22 de janeiro de 1973, a Suprema Corte dos Estados Unidos estabeleceu, em sua histórica decisão “Roe vs Wade”, que o direito ao respeito à vida privada garantido pela Constituição se aplicava ao aborto. Em uma ação movida três anos antes em um tribunal do Texas, Jane Roe, pseudônimo de Norma McCorvey, uma mãe solteira grávida pela terceira vez, atacou a constitucionalidade da lei do Texas que tornava o aborto um crime. A mais alta jurisdição do país assumiu a questão meses depois, por um recurso de Jane Roe contra o promotor de Dallas, Henry Wade, mas também por outro de um médico e de um casal sem filhos que queria poder praticar, ou se submeter, a uma interrupção voluntária da gravidez legalmente.
Depois de ouvir as partes duas vezes, a Suprema Corte esperou a eleição presidencial de novembro de 1972 e a reeleição do republicano Richard Nixon para emitir sua decisão, por sete votos a dois. Reconhecendo a “natureza sensível e emocional do debate sobre o aborto, os pontos de vista rigorosamente opostos, inclusive entre os médicos, e as convicções profundas e absolutas que a questão inspira”, a alta corte acabou derrubando as leis do Texas sobre aborto. A decisão, que marcou jurisprudência em uma maioria dos estados do país onde havia leis similares em vigor, estipulava que “o direito ao respeito da vida privada, presente na 14ª Emenda da Constituição (…), é suficientemente amplo para ser aplicado à decisão de uma mulher de interromper, ou não, sua gravidez”.
*Com informações da AFP