"Não quero que ele gaste o pouco dinheiro que tem comprando qualquer coisa para mim. Presente, não quero. Eu sou feliz só de ele estar aqui", se emociona o venezuelano Aldrix Llovera, de 49 anos. Vivendo desde 2020 no Brasil, ele terá finalmente a companhia de um filho para celebrar o Dia dos Pais neste domingo (14). Alexis, de 29 anos, chegou no final do ano passado. Veio para ficar e já deu os primeiros passos para seguir a profissão do pai, que hoje trabalha como eletricista.
“Eu aguardei ele na rodoviária de Manaus. Sabia que ele não tinha roupa, não tinha nada. Eu levei uma roupa, sapato. Ele tomou banho na rodoviária, trocou a roupa e fomos para casa”, contou Aldrix. O venezuelano, no entanto, convive com a saudade de outros quatro filhos. Como outros refugiados que deixaram seus países em busca de uma nova vida, ele carrega uma trajetória marcada pela separação dos entes queridos, às vezes por curto tempo, às vezes por longos períodos.
Mesmo sem esperar grandes comemorações para este ano, Aldrix lembra com satisfação do Dia dos Pais na Venezuela: "churrasco, cerveja, foguete, quase igual ao que é aqui". Em busca de melhores condições de vida, ele deixou Valência, cidade onde morava no norte do país vizinho. Atravessou sozinho a fronteira, chegando a Pacaraima (RR). De lá, passou por Boa Vista, capital roraimense, e foi parar em Manaus, onde vive atualmente. É um trajeto comum realizado por muitos venezuelanos em meio ao movimento migratório que teve início em 2017. "A situação em meu país estava muito ruim, muito crítica. Já não dava para trabalhar e morar lá", conta.
Hoje, ele possui carteira assinada e atua como eletricista em uma empresa de energia. Mas até se estabelecer, viveu na rodoviária da capital do Amazonas, onde funciona um posto de recepção e apoio a imigrantes. Lá, pessoas em situação de vulnerabilidade podem tomar banho, guardar seus pertences e, pernoitar em barracas emprestadas pela Operação Acolhida, iniciativa liderada pelo Ministério da Cidadania que envolve também uma rede de organizações mobilizada pelo Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), agência vinculada à Organização das Nações Unidas (ONU).
Apesar de relatar que sofreu uma tentativa de assalto, Aldrix considera ter sido bem recebido e avalia que os brasileiros gostam de ajudar. Com emprego fixo e renda regular, ele pôde viabilizar a vinda de Alexis, que estava na Colômbia, para onde havia ido cinco anos antes com outros dois irmãos. Apesar da distância, nunca deixaram de se falar e quando o filho contou que não conseguia emprego, o pai prontamente se ofereceu para pagar a passagem com destino ao Brasil. Nos últimos meses, Alexis fez curso de eletricista. Enquanto aguarda uma oportunidade na empresa onde o pai trabalha, ele busca se sustentar vendendo banana.
Além da solidariedade brasileira, os dois contam ainda com o apoio de uma comunidade de venezuelanos que trilhou um caminho similar. Aldrix inclusive conheceu no Brasil sua atual esposa, a compatriota Miriam Machado. Dados do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), órgão colegiado vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, apontam que 70,04% dos 61.731 pessoas reconhecidas como refugiadas no Brasil são venezuelanas. Síria, Senegal, Angola e República Democrática do Congo fecham a lista dos cinco principais países de origem dessas pessoas.
Os pedidos de refúgio levam em média 2 a 3 anos para serem analisados. Eles são deferidos caso se reconheça que o deslocamento se deu em consequência de conflitos internos, agressão estrangeira, violência generalizada, grave violação de direitos humanos ou perseguição por motivos sociais, raciais, religiosos, políticos ou de nacionalidade. No caso dos venezuelanos, o grande fluxo migratório iniciado em 2017 decorre da crise econômica e política que se instaurou no país vizinho. No auge desse movimento, cerca de 500 pessoas ingressavam diariamente no Brasil. Criada em 2018 para lidar com a situação, a Operação Acolhida tem assegurado a interiorização de milhares deles em diferentes cidades do país.
Por sua vez, o Acnur oferece suporte a essa população. Voltada para a proteção dos direitos dos refugiados em todo o mundo, a agência se mantém exclusivamente com doações que podem ser feitas pelo site. No Brasil, a atuação ocorre geralmente de forma indireta, financiando organizações sociais e entidades do terceiro setor. A exceção está justamente na fronteira com a Venezuela, onde são mantidos diversos abrigos e são desenvolvidas diretamente ações variadas, que incluem cursos de português, capacitação profissional, encaminhamento de crianças para a escola, concessão de auxílios sociais e financeiros, atendimento psicossocial, entre outras.
Luiz Fernando Godinho, porta-voz do Acnur no Brasil, observa que a reconstrução de vida longe dos vínculos afetivos é um desafio adicional para os refugiados, muitos dos quais passam anos longe de cônjuge, pais, irmãos e filhos. "A integridade da família é protegida pelo direito internacional. O Acnur atua para que os refugiados tenham acesso a meios seguros e legais de se reunir com seus parentes. Ou seja, sem recorrer a jornadas perigosas e irregulares onde as vidas são colocadas em risco", afirma. Segundo Godinho, a reunião familiar ajuda a superar traumas do deslocamento forçado e também facilita o processo de integração e adaptação às novas comunidades.
O tratamento que o Brasil dá aos migrantes é considerado pelo Acnur como um exemplo positivo. Diferente de outros países, que organizam campos de refugiados, aqui há um esforço para integrá-los na sociedade. E a legislação contribui com essa opção, uma vez que garante a eles acesso a serviços considerados universais, como saúde, educação e mesmo programas sociais.
Foi justamente a luta pela saúde que trouxe ao Brasil o venezuelano Luis Aníbal Pinto Casanova. Aos 48 anos, ele se despediu da esposa e da filha para buscar melhor qualidade de vida para seu filho de 4 anos. O menino sofria de síndrome nefrótica, que causa retenção de líquidos no organismo e inchaço do corpo. A família tinha dificuldades para comprar medicamentos e para conseguir comida para a dieta adequada.
"Tivemos que ir várias vezes ao hospital. Até que chegou um limite e sempre me falavam que no Brasil havia ajuda, melhores médicos, especialistas para esta doença", conta Luis. Ele fez o mesmo trajeto que Aldrix e lembra do apoio que recebeu para ter acesso aos serviços de saúde. "Quando cheguei a Pacaraima não tinha sequer 50 centavos. Entramos no abrigo e tudo mudou".
Hoje, aos 7 anos, o filho, que também se chama Luis, está melhor. "Come de tudo, não fica mais inchado", diz o pai celebrando o tratamento no Brasil. Além da saúde, ele também elencou a educação do menino como uma prioridade. De início, conseguiu matriculá-lo em uma escola distante do abrigo onde estavam: levava o filho de bicicleta em um trajeto que tomava quase uma hora. Com o tempo que gastava no deslocamento, não tinha condições de assumir um trabalho fixo. Isso só ocorreu quando uma professora lhe ajudou a obter uma transferência para uma instituição mais próxima.
"Queria que ele aprendesse o português. Quero um futuro para os meus filhos. Quero que um dia eles pensem que o pai os trouxe para esta terra e que entendam que aqui está seu futuro, está sua educação. Quero que aprenda bastante porque ele nunca estudou na Venezuela por causa da sua doença. E agora sim. Tenho uma irmã que é professora. Eu mandei fotos da escola do sobrinho e ela ficou contente. Me sinto bem. Levo ele na escola, busco comida ao meio dia e vou ao trabalho. Se tenho um trabalho, está tudo bem", conta.
Luis terá motivo extra para celebrar o Dia dos Pais, já que estará acompanhado de toda a família. A esposa e a filha, que haviam ficado na Venezuela, vieram depois. E agora há um reforço com nome de craque. No final do mês passado, nasceu, em solo brasileiro, um novo descendente: Neymar. Ele se emociona com o apoio que tem recebido e conta que o chefe lhe presenteou com muitas roupinhas novas de bebê.
"Existem pais que são bons com os filhos. E existem pais que se vão e se esquecem dos seus filhos. E isso não é certo. Eu não abandono meu filho por nada. Me sinto com força e com vontade de tê-lo. Estamos juntos, unidos. Somos pobres, mas humildes e com uma vontade grande de seguir adiante", afirma.
Se as separações são dolorosas, os reencontros envolvem desafios que vão além da questão econômica. Cheick Ahmed enfrenta obstáculos para trazer ao Brasil seus filhos que não vê há seis anos. "Quando chega esse momento de feriado, dia das crianças, dos pais, sinto muita saudade. Muito triste minha família estar longe de mim. Mas a gente se fala pela internet, no WhatsApp", diz.
Ele chegou ao país em 2016, com apenas 27 anos, após deixar a Guiné por conta da instabilidade política no país africano. Ele conta que, no ano anterior, teve sua casa invadida e seu irmão foi assassinado. Diante da turbulência, ele decidiu vir para o Brasil.
"É um país que tem democracia. É um país emergente, que acolhe todo mundo. Aqui tem liberdade de expressão, tem lei e tem pessoas respeitando a lei", disse. Antes de vir para cá, levou sua esposa e três filhos para o Senegal, onde estariam mais seguros. Na época, o mais novo estava com apenas seis meses de idade e as outras duas crianças tinham 4 e 9 anos. "Tenho muita saudade, triste deixar todos novinhos. Não tinha condição para trazer todo mundo junto. Financeiramente e para resolver todos os documentos logo para sair do país", explica.
Já faz três anos que Cheick está tentando trazer a família para o Brasil. Segundo ele, sua autorização de residência, que permite que a família solicite visto para entrar no país, levou cinco anos para sair, o que só ocorreu no final do ano passado. Agora, há um novo obstáculo para se reencontrarem: a emissão do passaporte para a esposa e para os filhos. Cheick relata que, com a recente troca no governo da Guiné, as autoridades do país africano estariam dificultando a emissão do documento de viagem. "Às vezes fico chorando pensando como eles são, se eles estão bem, se comeram direitinho, se estão vivendo bem", se emociona.
*Estagiária sob supervisão de Vitor Abdala