A área é parte da fazenda pertencente à empresa Rio Fundo Agropecuária, no distrito de Ubatiba. No local, há um imóvel chamado de Casa Grande, onde as famílias se alojaram em setembro, dando início à Ocupação Ecovila Maricá. Os ocupantes alegam que o lugar estava abandonado e o imóvel vazio. Nos autos do processo, a Rio Fundo Agropecuária sustenta que explora atividade comercial no local e solicitou a reintegração de posse. A Agência Brasil tentou sem sucesso contato com a empresa.
A Defensoria Pública do Rio de Janeiro informou à Justiça que realizou uma vistoria no local e encontrou de 20 a 30 cabeças de gado. Ainda de acordo com o órgão, o imóvel foi encontrado completamente vazio e, em um levantamento, foi constatado que ele está penhorado por força de decisões proferidas em três diferentes ações judiciais.
Segundo o Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM), que responde pela coordenação da ocupação, as famílias passaram a viver no local porque o município não destinou um terreno para a construção da Ecovila Maricá, o que estaria em consonância com a legislação. Um projeto chegou a ser apresentado, mas não foi adiante.
O movimento se refere à Lei Municipal 2.864/2019, que cria o Centro de Tecnologia Agrofamiliar, voltado para a formação de produtores rurais, e o Programa Comunas Agroecológicas, em apoio ao desenvolvimento de atividades econômicas de base comunitária em benefício de inscritos no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico). A lei estabelece que o município poderá disponibilizar terras para assentar as famílias e, inclusive, propor desapropriações para fins de interesse público.
A decisão de reintegração de posse foi assinada no dia 26 de outubro pelo juiz Vitor Porto dos Santos, da 2ª vara cível da comarca de Maricá. No dia 7 de novembro, uma visita foi realizada conjuntamente pela equipe da comissão de direitos humanos da OAB-RJ e pelo Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular Luiza Mahin (Najup), projeto de extensão vinculado à Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Elas apontaram em relatório que as famílias encontram-se em estado de extrema vulnerabilidade socioeconômica, composta majoritariamente por pessoas desempregadas e mulheres, incluindo várias mães solo que passaram por situação de violência doméstica e não obtiveram o benefício do auxílio-aluguel, uma das medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha. Também relatam que já havia no local um movimento para a reintegração de posse.
"Fomos surpreendidos com tamanho aparato da Polícia Militar presente, com uma ostensiva a desproporcional presença de policiais militares portando fuzis e granadas, no ímpeto de causar constrangimento e coagir as pessoas à desocupação imediata, tensionando o ambiente, e não contribuindo, de forma efetiva, para uma mediação do conflito fundiário existente", registra o texto.
Segundo Bonan, a presença bélica foi excessiva já que as famílias são compostas em maior parte por mulheres e idosos. A reintegração de posse, no entanto, não foi cumprida: o oficial de Justiça avaliou que não havia condições mínimas necessárias, já que não havia garantia de acolhimento das famílias em abrigos localizados no município, nem mesmo das crianças e idosos. Ele devolveu o mandado para o juízo.
A Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ e a Najup já se manifestaram no âmbito do processo judicial, pedindo reconsideração da decisão considerando que a Defensoria Pública deveria ter sido intimada previamente para se manifestar, o que não ocorreu. Segundo alegam, as famílias foram privadas do direito de defesa. Além da atuação na esfera judicial, as duas entidades se movimentam no âmbito administrativo: foi apresentado pedido formal à prefeitura de Maricá para instauração de uma mesa de negociação.
"Moradia é um direito humano fundamental e a demanda das famílias que hoje se encontram na Ocupação Ecovila Maricá é urgente e necessária, não cabendo, neste contexto, a inércia e a omissão por parte do poder público, para um melhor deslinde do conflito que se apresenta", registra a nota divulgada pela OAB-RJ. Procurado pela Agência Brasil, o município não deu retorno.
A instauração de uma mesa de negociação, segundo a OAB-RJ, é necessária para atender determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) no âmbito da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828. Trata-se do processo que, desde junho de 2021, havia suspendido em todo o país as ordens de remoção e despejos de áreas coletivas habitadas. A decisão foi tomada para resguardar o direito à moradia em meio à pandemia de covid-19, que trouxe aumento de insegurança social e econômica para a população mais vulnerável.
A suspensão durou até o fim do mês passado, quando o ministro Luís Roberto Barroso negou a renovação do prazo por entender que há um arrefecimento dos efeitos da pandemia. No entanto, foram fixados pré-requisitos a serem observados pelos tribunais. Conforme a nova decisão de Barroso no âmbito da ADPF 828, antes de qualquer decisão judicial, comissões de mediação devem ser instaladas.
"Por acreditar no diálogo e na capacidade dos poderes públicos lidarem com os conflitos fundiários com política pública, e não com polícia e violência, a fim de reduzir o déficit habitacional que assola o nosso estado, reiteramos a necessidade de que a Prefeitura de Maricá instaure a mesa de negociação, em observância a decisão do STF na ADPF, bem como ao que dispõe a legislação e o texto constitucional sobre a matéria", reiterou a OAB-RJ.