A 1ª Vara Federal de Rio Grande, no Litoral Sul gaúcho, condenou a dois anos de reclusão um homem que escreveu um comentário com teor de discriminação étnica contra indígenas no Facebook. A pena privativa de liberdade foi substituída por prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária de cinco salários mínimos.
O MPF (Ministério Público Federal) ingressou com uma ação narrando que, em janeiro do ano passado, o homem fez o seguinte comentário em uma postagem da Secretaria de Saúde do município relativa à vacinação contra a Covid-19 para a população indígena residente em Rio Grande: “Índio é vagabundo, sustentado pelo governo, cacique é explorador dos índios, índio é corrupto”.
O MPF destacou que o denunciado, por meio dessa conduta, praticou, induziu e incitou a discriminação contra os povos indígenas. Em sua defesa, o réu argumentou não haver provas suficientes da prática do crime, pois a acusação se baseia em um único comentário, que foi feito para manifestar indignação com a ordem de prioridades da vacinação, tendo em vista ser caminhoneiro e estar impossibilitado de trabalhar em função do distanciamento social.
Pontuou que fez o comentário dentro do seu direito constitucional à liberdade de expressão, criticando a precedência a um grupo que historicamente vive de forma mais isolada e, portanto, estaria menos suscetível à transmissão da doença.
Ao analisar o caso, o magistrado afirmou que o crime tratado na ação consiste em praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Ele salientou que a garantia constitucional da liberdade de expressão não contempla o discurso de ódio, pois a Carta Magna coloca como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
“Assim, a proteção constitucional da livre manifestação do pensamento não prevalece diante de manifestações que caracterizam ilícito penal e não pode ser utilizada como salvaguarda para a promoção do preconceito e da intolerância, sob pena de erodir os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade”, disse o magistrado.
O juiz Gabriel Borges Knapp concluiu que o comentário publicado pelo réu apresentava caráter discriminatório e revelava desprezo e preconceito em relação à população indígena como um todo. Além disso, foi feito em uma rede social de notório alcance, o que pode suscitar e estimular o julgamento prévio e negativo, além do desprezo a essas etnias.
Ele destacou ainda que a postagem promoveu “segregação histórica e racismo contra os povos indígenas em momento de acentuada vulnerabilidade dessas populações, visto que as suas condições socioeconômicas os tornavam particularmente suscetíveis aos efeitos da pandemia de Covid-19 e o comentário na rede social foi inserido justamente em publicação da prefeitura de Rio Grande relativa ao início da vacinação na população indígena das aldeias Kaingang e Guarani Mbya”.
Cabe recurso da decisão ao TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), com sede em Porto Alegre. A sentença foi publicada na semana passada.