As primeiras decisões do novo governo Lula referentes ao aborto reverberaram entre líderes evangélicos, ao menos uma organização católica e políticos bolsonaristas. As reações conservadoras são de nomes como do pastor Silas Malafaia, dos deputados bolsonaristas Nikolas Ferreira e Marco Feliciano, mas também da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Nesta semana, o governo brasileiro se desligou do Consenso de Genebra sobre Saúde da Mulher e Fortalecimento da Família, aliança antiaborto que tinha em Brasília sua maior entusiasta desde que Donald Trump deixou a Casa Branca há dois anos. A adesão à declaração ultraconservadora foi feita durante o governo Jair Bolsonaro, em 2020, junto com outros 30 países.
Parlamentares bolsonaristas e líderes evangélicos iniciaram a reação ainda no mesmo dia. Pelo perfil do Instagram, o deputado federal diplomado Nikolas Ferreira (PL) publicou um vídeo com críticas ao atual chefe de Estado. “Agora o Lula retira o Brasil da declaração internacional contra o aborto e mais uma vez mostra que é só mais um estelionatário eleitoral de dizer que é contra o aborto só para ganhar voto, mas ainda teve o apoio das focas que ajudaram ele a se eleger”, disse o parlamentar.
Já o pastor Silas Malafaia relembrou a carta aos evangélicos que Lula escreveu durante o período eleitoral. À época, o gesto do então candidato petista buscava acenar ao grupo, que majoritariamente apoiava a candidatura de Bolsonaro. Malafaia chama o petista de mentiroso e relembra um trecho do texto sobre o “compromisso com a vida plena”:
“Eu estou de férias, mas não posso me calar diante de atrocidades contra inocentes apoiadas por Lula se seu governo. Lembra da campanha eleitoral do Lula dizendo que apoia o aborto? Mas ele viu que falou bobagem que não rende voto, aí o mentiroso, cínico e manipulador escreve uma carta aos evangélicos”, disparou o pastor.
O trecho da carta de Lula diz: “Nosso Projeto de Governo tem compromisso com a Vida plena em todas as suas fases. Para mim a vida é sagrada, obra das mãos do Criador e meu compromisso sempre foi e será com sua proteção. Sou pessoalmente contra o aborto e lembro a todos e todas que este não é um tema a ser decidido pelo Presidente da República e sim pelo Congresso Nacional”.
Assim como Malafaia, o deputado federal Marco Feliciano também questionou o apoio de evangélicos ao presidente. “Eu gostaria de ver a cara de pastores que divulgaram e apoiaram uma cartinha que o Lula fez para os evangélicos na campanha dizendo ser ele contra o aborto. Lembrando que aborto é assassinato de inocentes, assassinato de crianças”.
Filho do ex-presidente, o senador Flávio Bolsonaro endossou as críticas. “Mais um retrocesso! O governo Lula retira Brasil da aliança internacional contra o aborto, uma linha de defesa importante pró-vida, formada por países que lutavam por uma saúde melhor para as mulheres, pela preservação da vida humana e que colocava a família como parte fundamental de uma sociedade saudável”, escreveu o senador.
Ao se desligar da aliança antiaborto promovida por Bolsonaro e Trump, o Ministério das Relações Exteriores disse que “o Brasil considera que o referido documento contém entendimento limitativo dos direitos sexuais e reprodutivos e do conceito de família e pode comprometer a plena implementação da legislação nacional sobre a matéria, incluídos os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS)”. A decisão veio logo após mais de cem organizações da sociedade civil enviarem um manifesto ao governo de transição pedindo que o presidente Lula retirasse o Brasil do Consenso de Genebra.
Além dos evangélicos e bolsonaristas, a CNBB divulgou uma nota com o título “Vida em primeiro lugar”, com críticas as últimas medidas do governo Lula referentes ao aborto. A nota, assinada por quatro líderes da igreja católica, repudia qualquer iniciativa que sinalize para o que chamam de “flexibilização do aborto” e relembra as promessas feitas por Lula na corrida presidencial. “A revogação da portaria que determina a comunicação do aborto por estupro às autoridades policiais, precisam ser esclarecidas pelo Governo Federal considerando que a defesa do nascituro foi compromisso assumido em campanha”, diz o documento.
O texto se refere as mudanças promovidas dentro do Ministério da Saúde. A ministra Nísia Trindade revogou seis portarias da gestão Bolsonaro, sob o argumento de que as portarias contrariavam diretrizes do SUS, além de não terem a participação do Conselho Nacional de Secretários de Saúde e do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde nas suas concepções.
Entre elas está a Portaria GM/MS nº 2.561, de 2020, que “Dispõe sobre o Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei, no âmbito do Sistema Único de Saúde-SUS”. Essa portaria falava, por exemplo, sobre a necessidade de o médico comunicar o aborto à autoridade policial responsável. O texto também destacava que era preciso preservar possíveis evidências materiais do crime de estupro, como fragmentos do embrião ou feto.