Na semana que vem, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) dará início à sua primeira viagem internacional após a posse. Os destinos serão a Argentina e o Uruguai.
A viagem é tratada pela diplomacia brasileira como um marco de um pretenso “retorno” do Brasil ao palco internacional.
Mas, além de uma demonstração de prestígio internacional, Lula e sua equipe tratarão de temas considerados estratégicos. E entre eles está a integração energética entre o Brasil e a Argentina.
E é aí que um antigo conhecido da política externa petista poderá voltar a entrar em cena: o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
O governo argentino busca recursos para concluir a construção do gasoduto que poderá ligar o campo de Vaca Muerta, um dos maiores do mundo, até a divisa com o Rio Grande do Sul.
Em dezembro, já após a vitória de Lula nas eleições, autoridades argentinas chegaram a anunciar que o BNDES financiaria até US$ 689 milhões (o equivalente a R$ 3,5 bilhões em cotação atual) para o projeto.
Na ocasião, o banco, à época ainda no governo de Jair Bolsonaro (PL), emitiu uma nota negando a operação.
Com a mudança de governo, no entanto, a expectativa em torno da possível participação do banco no projeto é diferente. Isso acontece, em parte, pelo histórico recente dos governos do PT na utilização do banco para financiar obras em países na América Latina e na África.
Essa prática foi alvo de investigações da Operação Lava-Jato e foi largamente criticada pela oposição e por Bolsonaro.
Fontes do governo e do BNDES afirmam, no entanto, que a ideia é de que o banco possa atuar no projeto, mas não como fazia no passado, financiando serviços de engenharia realizados por empreiteiras brasileiras.
Agora, segundo essas fontes, o banco se limitaria a financiar a compra de equipamentos e peças fabricadas no Brasil a serem usadas na obra.
Vaca Muerta
A obra que poderá marcar o retorno do BNDES a projetos internacionais em um novo governo petista é uma das mais ambiciosas da Argentina.
Trata-se de um gasoduto para transportar gás natural produzido no campo de Vaca Muerta, localizado na Província de Neuquén, a oeste da região da Patagônia, até os principais mercados consumidores.
Estimativas apontam que esta seja a segunda maior jazida de gás de xisto do mundo e a quarta de petróleo não-convencional. O petróleo não-convencional é aquele que demanda mais energia para a sua extração.
Usualmente, para que seja extraído da terra são usadas técnicas como o fraturamento hidráulico – o “fracking” –, que é a injeção de uma mistura de água e areia que quebra as rochas nas quais o óleo está preso, facilitando sua retirada.
A técnica é alvo de críticas de ambientalistas e povos originários por supostamente comprometer reservas de água e causar instabilidades geológicas onde é aplicada.
O principal trecho da obra é o que leva o gás até Buenos Aires, mas um segundo trecho está previsto para chegar até a Província de Santa Fé, perto da fronteira com o Brasil.
Para o Brasil, o plano é trazer gás ao país, diminuindo, assim, a dependência em relação a outras fontes do produto como a Bolívia.
Em 2021, o gás natural era a segunda maior fonte de oferta de energia no Brasil, respondendo por 12,8%, atrás apenas das fontes hidráulicas, que correspondiam a 56,8%.
Em junho de 2022, o ex-presidente Bolsonaro afirmou, em um evento da Confederação Nacional da Indústria (CNI), que havia negociações avançadas para que o gás argentino chegasse ao Brasil.
Agora, a expectativa é que os presidentes Lula e Alberto Fernández assinem um memorando de entendimento sobre o tema energético entre os dois países. Os termos ainda não foram publicados.
Indagado sobre a possibilidade de o Brasil firmar um acordo prevendo a participação brasileira na obra do gasoduto de Vaca Muerta, o secretário de Américas do Ministério das Relações Exteriores (MRE), Michel Arslanian Neto, não esclareceu se ela será tema de conversas entre os dois presidentes, mas afirmou que as equipes brasileira e argentina debaterão a integração energética entre os dois países.
“O que há é um propósito muito claro das equipes dos dois países, com impulso no mais alto nível, para avançar em temas como integração energética. Claramente, a integração gasífera tem um grande potencial pra ser um dos eixos estratégicos da nossa relação”, disse.
Em notas enviadas à reportagem, o BNDES confirmou que há “conversas em curso” sobre o financiamento de exportações para a obra do gasoduto, mas que não houve uma consulta formal sobre o financiamento.
Segundo o banco, as potenciais empresas exportadoras ainda não estão habilitadas a operar com o BNDES.
Ainda de acordo com o banco, uma das empresas interessadas em exportar para a obra e que procurou o BNDES não estaria apta para realizar operações com a instituição porque tem um restrições de contratação impostas pelo Tribunal de Contas da União (TCU). O BNDES não informou os nomes das empresas interessadas.