O Brasil já pagou um preço alto por usar o BNDES para financiar obras em países vizinhos sem o devido parâmetro e planejamento e, se quiser retomar a estratégia, ainda que essa possa não ser a prioridade ideal para o momento, vai precisar pensar em outras bases. Essa é a avaliação de Maria Silvia Bastos Marques, ex-presidente do BNDES e membro independente de conselhos administrativos de empresas.
Em visita oficial à Argentina, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) apontou o BNDES como possível financiador do gasoduto argentino de Vaca Muerta. “De vez em quando, nos criticam por pura ignorância. Pessoas que acham que não pode haver financiamento de engenharia em outros países. Eu acho que não só pode, como é necessário que o Brasil ajude a todos os parceiros. E é isso que vamos fazer dentro das possibilidades econômicas de nosso país”, disse Lula.
De acordo com a Reuters, a obra é de interesse do governo brasileiro, já que o gás argentino custaria três vezes menos que o gás boliviano, e também da Argentina, que quer poder vender ao Brasil um excesso de produção.
Em governos petistas anteriores, a expansão dos bancos públicos foi muito criticada por agentes econômicos e do mercado financeiro. No BNDES, o financiamento às exportações de bens e serviços, principalmente de engenharia, envolvia, em muitos casos, subsídios.
Os empréstimos eram contraídos pelos governos estrangeiros, mas os valores eram pagos em reais às empresas brasileiras que prestariam o serviço lá fora – muitas delas, grandes empreiteiras que, depois, acabaram envolvidas nas investigações de corrupção da operação Lava-Jato.
Essas operações de exportação, nota Maria Silvia, foram classificadas como sigilosas pelo governo da época, mas o sigilo foi levantado por decisões do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Supremo Tribunal Federal (STF).
Sob sua gestão (2016-2017), novos critérios e procedimentos foram propostos para futuras operações de exportação, incluindo na análise dos projetos quesitos de economicidade e efetividade, entre outros.
Maria Silvia diz ter dúvidas, por exemplo, em relação a um eventual uso do Fundo de Garantia à Exportação (FGE). Ela lembra que, quando já não estava mais à frente do BNDES, o fundo estava sem recursos e precisou de aporte da União para cobrir calotes em empréstimos tomados por países como Venezuela e Cuba junto a bancos brasileiros.
“O BNDES foi ressarcido com dinheiro do contribuinte porque fez um empréstimo e não tinha garantia, sendo que a grande justificativa para o empréstimo ter sido feito era ter garantia, então, é um círculo vicioso”, afirma.
Orçamento
No orçamento de 2023, há uma previsão de R$ 4,8 bilhões (cerca de US$ 900 milhões) para o FGE. Para tentar resolver o problema de falta de liquidez em reais para importadores argentinos, o governo Lula anunciou, também nesta segunda-feira, uma linha de crédito para financiamento de comércio exterior, que seria garantida pelo FGE.
Além de uma garantia certa, é importante definir qual será a fonte de recursos para o BNDES para voltar a realizar essas operações com países estrangeiros, aponta Maria Silvia. “A grande questão no Brasil hoje é o fiscal, é ao redor do que gira toda a incerteza, a preocupação dos agentes econômicos, a volatilidade dos juros”, observa.