No momento em que o uso de ferramentas digitais como o ChatGPT – um robô capaz de criar textos complexos em formatos variados – ganham notoriedade, uma comissão de especialistas criada pelo Senado apresentou uma nova proposta para regular, pela primeira vez, a inteligência artificial (IA) no País.
Entre os principais pontos, o texto restringe o uso de câmeras instaladas pelas secretarias de segurança pública para reconhecimento facial indiscriminado de pessoas que circulam nas ruas. Também veda a implementação de modelos de “ranqueamento social”, usado pela China, em que cada cidadão recebe uma pontuação de acordo com seu comportamento nas redes sociais e a nota serve para assegurar ou não acesso a recursos públicos.
O Senado convidou uma comissão de 18 juristas para elaborar a proposta de regulação, que tem 45 artigos. O grupo, liderado pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Ricardo Villas Bôas Cueva, elaborou um relatório de mais de 900 páginas, com a colaboração de membros da academia, da sociedade civil e de empresas ouvidos em audiências públicas realizadas entre abril e maio do ano passado.
Também participaram juristas e especialistas da advocacia sobre direito digital e membros da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) que estiveram na concepção da Lei Geral de Proteção de Dados, que regula o tratamento de dados pessoais e altera a legislação sobre internet no Brasil. Um dos convidados era Danilo Doneda, uma das principais referências sobre o tema no País, morto em dezembro do ano passado.
O texto define graus de risco para sistemas de IA e estabelece que fornecedores ou operadores respondam pelos danos causados por sistemas de alto risco (como carros automatizados) e de risco excessivo (como câmeras de vigilância). A classificação pode passar por atualizações.
Há também disposições de transparência. Empresas que usem sistemas de IA de alto risco precisam adotar medidas de governança que registrem o funcionamento da inteligência e métodos para corrigir vieses. As sanções administrativas aos que infringirem a lei variam entre advertência, multa simples de até 2% do faturamento, indo de no máximo de R$ 50 milhões por infração até a suspensão parcial ou total do sistema.
O senador Eduardo Gomes (PL-TO), que apresentará a proposta, afirmou que novos temas serão incluídos no texto. “Temos consciência que é um assunto muito dinâmico. Assim não teremos prejuízos por falta de diálogo”, disse. Segundo ele, um dos caminhos possíveis é o texto seja apresentado para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e depois levado ao plenário. “É um tema muito urgente”, disse.
Experiência internacional
O texto lista ainda diversos “níveis de risco” para o uso de sistemas informatizados e estabelece direitos, entre eles o de uma empresa ter que explicar uma decisão tomada por uma inteligência artificial, de usuários questionarem judicialmente decisões, solicitarem intervenção humana, e de não serem discriminados por um vieses de uma IA, como racismo ou misoginia.
A proposta para regulação analisou legislações aprovadas entre os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), grupo do qual o Brasil quer fazer parte.
A maioria dos mecanismos de controle à IA nos países da OCDE foi elaborada há pouco mais de três anos e varia em relação ao papel interventor do Estado. Alguns países que compõem a União Europeia preferem diretrizes do bloco, que pretende chegar a um consenso do projeto regulador final em março deste ano.
Ainda não há também nos Estados Unidos uma legislação reguladora própria. O Comitê Consultivo Nacional de Inteligência Artificial do país foi lançado em abril de 2022 e espera-se que a lei seja apresentada neste ano.
O relatório conclui que a Coreia do Sul (que desenvolveu uma estratégia nacional em 2019) é o que apresenta o maior número de medidas para eliminar barreiras legais ou regulatórias enquanto a Alemanha (que publicou sua estratégia em 2018 e atualizou em 2020) se destaca pela quantidade de iniciativas de regulação.
O modelo sul-coreano, por exemplo, diz que o quadro regulatório “deve ser transformado em um sistema regulatório negativo”, como medida para estimular a inovação e determina o estabelecimento de um sistema jurídico que “apoie a era da IA o mais rápido possível” em um comitê com diferentes ministérios para tratar do tema.