O chefe da inteligência da Receita Federal (RF) durante o governo de Jair Bolsonaro, Ricardo Pereira Feitosa, acessou e copiou dados fiscais sigilosos de opositores do ex-presidente. Segundo documentos obtidos pelo jornal “Folha de S. Paulo”, um dos alvos do levantamento foi Eduardo Gussem, então procurador-geral de Justiça do Rio e responsável pelas investigações do suposto esquema de rachadinha dentro do gabinete de Flávio Bolsonaro (PL-RJ), denúncia posteriormente arquivada.
De acordo com os registros e depoimentos de pessoas ligadas ao caso, os acessos aconteceram nos dias 10, 16 e 18 de julho de 2019, ainda no início do governo de Jair Bolsonaro. Também foram alvos das devassas dois políticos que haviam acabado de romper com Jair Bolsonaro, o empresário Paulo Marinho, que é suplente do senador Flávio Bolsonaro, e o ex-ministro Gustavo Bebianno, que morreu em março de 2020.
À época das pesquisas, não havia nenhuma investigação fiscal envolvendo os alvos que justificassem as pesquisas. Por conta da movimentação, foi aberta uma investigação interna da Receita Federal para apurar a motivação. Em nota, Ricardo Pereira Feitosa negou ter cometido qualquer violação, afirmando ainda que “não vazou dados sigilosos e que sempre atuou no estrito cumprimento do dever legal”. A defesa do servidor pontua também que “sua vida funcional sempre foi reconhecida pela seriedade, zelo, atenção ao interesse público e cumprimento estrito dos deveres legais, trabalhando no combate à prática de ilícitos tributários e exercendo seu poder-dever de atuar na inteligência fiscal”.
Dados acessados
Entre os dados acessados e copiados por Feitosa estão as declarações completas de Imposto de Renda do procurador Eduardo Gussem. Ele fez cópia das informações declaradas pelo magistrado durante o período de 2013 a 2019.
Do ex- aliado de Bolsonaro Gustavo Bebiano, os dados coletados foram os mesmos: declarações de imposto de renda de sete anos. O político que era líder do PSL, então partido de Bolsonaro, ocupou a Secretaria-Geral da Presidência por pouco mais de um mês. Ele foi o pivô da primeira crise política do governo do ex-presidente, gerada pela suspeita de que o PSL fez uso de candidatura “laranja” nas eleições de 2018 para desviar verbas públicas, e acabou sendo demitido do cargo. À época, Bebiano atribuiu a saída do governo ao filho do presidente o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), com quem tinha desavenças públicas. O ex-ministro morreu vítima de um infarto, em 2020.
Já sobre Paulo Marinho, além dos dados do imposto de renda do empresário, Ricardo Pereira Feitosa também buscou informações sobre a esposa do empresário. O chefe da inteligência da RF ainda acessou dados dos três opositores de Bolsonaro em outros sistemas utilizados pela Receita, como o banco de dados que reúne ativos e operações financeiras de especial interesse do Fisco e a plataforma voltada para operações de comércio exterior.
Investigação
Após a identificação das pesquisas, foi instaurada uma sindicância investigativa em março do 2020, que recomendou a abertura de um PAD (Processo Administrativo Disciplinar). O processo pode culminar, inclusive, com a demissão do servidor público.
O PAD segue em tramitação e, segundo o jornal “Folha de S.Paulo”, com a recomendação de demissão para Feitosa. O processo será analisado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Atualmente o Ricardo Feitosa atua como auditor-fiscal da administração aduaneira da Receita em Cuiabá.