Ministros do Tribunal Superior do Trabalho (TST) prestaram solidariedade à população da Região Nordeste do País, cujos habitantes foram alvo de discurso preconceituoso e xenófobo do vereador Sandro Fantinel, de Caxias do Sul (Serra Gaúcha), no final do mês passado. Além de divulgarem nota de repúdio à atitude do parlamentar, integrantes da Corte protestaram durante seminário internacional.
“O Brasil nunca será digno se tivermos pessoas que se sintam superiores a outras, seja em pensamento, fala ou comportamento”, discursou o magistrado Cláudio Mascarenhas. “Somos únicos na miscigenação sob a qual fomos construídos, indígenas, negros, brancos, europeus.”
O magistrado é natural da Bahia, mesmo Estado de origem da maioria dos trabalhadores recentemente resgatados condições análogas à escravidão em um alojamento de empresa terceirizada para fornecimento de mão-de-obra a vinícolas de Bento Gonçalves. Eles já retornaram para casa, enquanto as investigações prosseguem.
A repercussão negativa do caso foi potencializada por declarações como a do vereador caxiense, que usou a tribuna da Câmara local para dizer que a culpa pelo problema era das próprias vítimas, “que não gostam de trabalhar, porque preferem ficar na praia tocando tambor”. Também não faltou uma entidade de empresários locais a responsabilizar o programa Bolsa Família pelos abusos.
Nascida no Ceará, a ministra Kátia Magalhães Arruda se uniu ao protesto. “Não posso deixar de dizer, em homenagem aos colegas da mesma região brasileira: viva o povo nordestino!”.
A magistrada Maria Helena Mallmann, que é da cidade gaúcha de Estrela, foi outra a engrossar o coro: “Quero dizer da minha admiração pelos povos do Nordeste e do Norte. Como mulher do Sul e tradicionalista, tenho orgulho do meu Estado mas também reconheço toda luta dos demais povos”.
Além de ser expulso do partido Patriotas, o vereador é investigado pela Polícia Civil do Rio Grande do Sul e alvo de processo de cassação pelo Legislativo de Caxias do Sul. O MPT também abrirá inquérito por apologia ao trabalho escravo.
Manifestação anterior
Na quarta-feira, a 7ª Turma do TST já havia se posicionado sobre o assunto. Além de classificar como graves os abusos trabalhistas descobertos na Serra Gaúcha, repudiou a fala do vereador caxiense. “Quem conhece a cidade baiana de Valente, local de origem da maioria dessas vítimas, sabe que é uma região conhecida pelo recorrente aliciamento de mão-de-obra”, citou o ministro Cláudio Brandão.
O magistrado acrescentou outros detalhes: “Os chamados ‘gatos’ oferecem condições vantajosas a pessoas carentes e elas, iludidas, aceitam as promessas. Acabam submetidas a condições desumanas, como ocorreu no caso do Rio Grande do Sul”.
Brandão salientou, ainda, o apoio da Corte ao Ministério Público do Trabalho (MPT) por sua atuação. Por outro lado, lamentou que até hoje ninguém foi condenado no Brasil, sob a esfera penal, por esse tipo de crime, previsto na legislação: “Precisamos ir além da reparação pecuniária por danos morais e materiais, para insistir que a esfera penal cumpra seu papel”.
O ministro conclamou o Congresso Nacional a regulamentar a Emenda Constitucional nº 81, que prevê a desapropriação de áreas e imóveis onde for cometida exploração de trabalho sob regime semelhante ao da escravidão, oficialmente abolida do País em 1888.
Relembre
Transmitido na internet e gravado pelo Legislativo municipal durante sessão no dia 28 de fevereiro, o discurso do vereador caxiense foi alvo de repúdio em todo o País. Nos três minutos finais, Sandro Fantinel não apenas ofende os habitantes da Bahia. Ele defende a ideia de que os empresários da Serra Gaúcha não contratem mais “aquela gente lá de cima” e diz que argentinos devem ter preferência na contratação para trabalhos temporários por serem “mais limpos e corretos”.
Em um trecho da manifestação discriminatória, o parlamentar municipal chega a ironizar as condições degradantes encontradas no alojamento dos trabalhadores em Bento Gonçalves: “Mas essa gente quer o quê? Hotel cinco-estrelas?”. Dias depois, dizendo-se arrependido, ele lançaria mão de um argumento bastante comum nesse entre protagonistas desse tipo de situação: “Fui mal interpretado”.
(Marcello Campos)