O secretário extraordinário para a reforma tributária, o economista Bernard Appy, afirmou que a proposta em negociação “é do Congresso, com o apoio do governo”, e que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve “entrar em campo na hora que for preciso” pela aprovação da medida. A seguir, os principais trechos da entrevista.
1 – O governo vai enviar uma proposta nova de reforma tributária ou vai usar as que já estão no Congresso?
O que vamos fazer é apoiar o Congresso na elaboração da emenda constitucional da reforma tributária a partir dos textos que já estão lá. O governo vai apoiar o trabalho do relator (deputado Aguinaldo Ribeiro), discutir alternativas, apresentar sugestões.
2 – A proposta será, então, do Congresso?
É uma proposta do Congresso que conta com apoio do governo.
3 – O presidente Lula não tem falado muito de reforma tributária, como na campanha. Ele vai entrar em campo e defendê-la?
Eu acredito que sim. É o tempo dele na política. Mas, na hora que for preciso entrar em campo, acredito que entrará, sim.
4 – O governo prometeu que a reforma será neutra, sem aumento da carga tributária. Haverá um gatilho para garantir a promessa?
Vai ter. A cada ano, será fixada uma alíquota com base em cálculos que mostram que se estará mantendo a carga tributária. A alíquota de referência (do novo imposto) terá de ser aprovada pelo Senado todo ano, durante a transição.
5 – A transição durará quanto tempo?
A transição dos tributos federais é rápida, imediata. Um ano depois de aprovada de lei complementar, é possível fazer a transição do PIS/Cofins. No caso do ICMS e do ISS, o início demora um pouco, e, a partir daí, ela é feita em quatro ou cinco anos. Suponha que se aprove a emenda constitucional neste ano, e a lei complementar no primeiro semestre do ano que vem: poderia começar a cobrar a CBS (Contribuição Social sobre Bens e Serviços, que deve unir PIS, Cofins e IPI) em meados de julho de 2025, o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços, junção de ICMS e ISS) em janeiro de 2027. A transição estaria completa em 2030 ou 2031, quando deixariam de existir os tributos atuais.
Agronegócio
6 – Como o governo vai enfrentar resistências setoriais, como serviços e agronegócio?
Embora a discussão tenha começado com o modelo ideal sem nenhuma exceção, sabemos que vão acabar entrando algumas excepcionalidades. O tratamento favorecido poderia ser via diferenciais de alíquota, mudanças nas regras de creditamento ou isenção. E, na PEC 110, se abriu mais uma possibilidade: a devolução do imposto, e não é só para as famílias de baixa renda. Poderia ser, inclusive, para setores específicos, como educação.
7 – O sr. apoia essa medida?
Gosto da ideia. Quem vai decidir quais setores vão ter tratamento diferenciado é o Congresso.
8 – Como seria a devolução?
É um ‘cashback’ para as pessoas Por exemplo: educação básica para uma família de classe média custa R$ 700 por mês. Se o imposto é 20%, dos R$ 700, são R$ 140 por mês. Devolve-se o imposto incidente na despesa com educação até R$ 140 por mês. Nesse sentido, é desonerada completamente uma família de classe média baixa, que faz um esforço enorme para ter o filho numa escola privada. Mas uma família rica receberia uma parte de volta do imposto que ela pagou. Essa é uma possibilidade.
Estados e municípios
8 – A reforma poderá incluir uma trava de segurança para que Estados e municípios não tenham perda de arrecadação com medidas aprovadas pelo Congresso?
Está em discussão. A ideia básica é fazer com que qualquer mudança que reduza a arrecadação dos Estados e municípios tenha de ser compensada com um aumento da alíquota de referência do novo imposto. Se for aprovada uma mudança na lei, como a desoneração da gasolina, teria de aumentar a alíquota geral do imposto. É bom do ponto de vista federativo, porque dá segurança de que não haverá medidas tomadas no âmbito federal que afetem a arrecadação.
9 – Os prefeitos das capitais dizem que não participaram da negociação do acordo do governo com os Estados que compensou em R$ 26,9 bilhões as perdas com a desoneração do ICMS – tributo compartilhado com os municípios. Eles acham que foi uma sinalização ruim para a governança de um novo tributo.
Mas o que pegou pior foi a desoneração dos combustíveis com recursos dos Estados e municípios. No modelo em discussão, se tiver alguma mudança que afete a arrecadação dos municípios, vai ter de ter um aumento compensatório.