01/04/2023 às 22h04min - Atualizada em 02/04/2023 às 06h02min

Nem o governo aceita precatórios que ele mesmo emite

Nem o governo aceita precatórios que ele mesmo emite - Jornal O Sul

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A operadora espanhola Aena assinou nesta semana o contrato de concessão do aeroporto de Congonhas. No leilão, realizado em agosto do ano passado, a empresa arrematou um bloco de 11 terminais por R$ 2,45 bilhões. A concessionária deve assumir o comando das atividades em até 15 dias, mas uma mudança de entendimento do governo sobre o uso de precatórios para o pagamento da outorga tem tudo para conturbar esse processo.

Com ágio de 231% sobre o valor mínimo do bloco, a Aena fez um lance agressivo para garantir o controle do segundo aeroporto mais movimentado do País. Metade desse valor seria pago com o uso de dívidas da União já reconhecidas pelo Judiciário, possibilidade que foi aberta pela aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios. Além de permitir ao governo Jair Bolsonaro dar calote nesses títulos, o texto garantiu que esses créditos fossem usados em outras situações, entre as quais quitar a outorga de concessões de infraestrutura.

Como era esperado, a institucionalização do calote movimentou o já agitado mercado secundário de precatórios. Escritórios de advocacia, bancos e fundos de investimento ampliaram o assédio às pessoas físicas, oferecendo aos detentores destes títulos frações de seu valor de face. A regulamentação do uso ampliado dos precatórios foi publicada em dezembro pela Advocacia-Geral da União (AGU); três meses depois, sob nova direção, revogou a portaria, alegando a necessidade de garantir a segurança jurídica da proposta. Em paralelo, a AGU anunciou a criação de um grupo de trabalho para propor uma nova regra em 120 dias.

O ministro de Portos e Aeroportos, Márcio França, disse que era preciso averiguar a liquidez desses pagamentos antes de aceitá-los para quitar a outorga. “Existem precatórios que venceriam este ano. Então, equivale a dinheiro. Agora, existem precatórios que são para serem pagos no ano que vem, no outro ano, no outro ano… A pergunta é: eles devem valer o mesmo preço, devem ter o mesmo valor?”, questionou. “Se a empresa usar um dinheiro que estará disponível daqui a três anos, poderia alguém que não participou da concorrência falar: ‘Se eu soubesse que era assim, eu teria entrado na concorrência’.”

Se houve lacunas na regulamentação das condições de uso de precatórios nos leilões, o governo Lula tem toda a legitimidade para revê-las e aprimorá-las nas licitações futuras. Não deveria, no entanto, mudar regras que valeram para as disputas realizadas no passado. Mudanças como esta certamente serão interpretadas como quebra de contrato, vão conturbar o ambiente de negócios e deverão ampliar a percepção de insegurança jurídica do País.

Com um orçamento apertado e deficitário, o Executivo não tem recursos à disposição para dispensar a participação do setor privado em áreas como a infraestrutura. Mas o pior é o risco reputacional implícito nessa ideia, que seria cômico se não fosse trágico. Afinal, o que dizer de um contumaz devedor que se recusa a aceitar como pagamentos títulos emitidos e garantidos por si mesmo? (Opinião/O Estado de S. Paulo)



Fonte: https://www.osul.com.br/nem-o-governo-aceita-precatorios-que-ele-mesmo-emite/
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