O presidente Luiz Inácio Lula da Silva completou cem dias de governo empenhado em reconstruir pontes com as Forças Armadas, após um início de mandato marcado por turbulências na relação, como o envolvimento de militares nos atos extremistas de 8 de janeiro, e a demissão do comandante do Exército, Júlio César de Arruda.
Oficiais militares reconheceram os movimentos de Lula pela recomposição dos laços, mas sustentam que esses gestos ainda são insuficientes porque ainda existem pedras no caminho. Uma delas são os processos em curso contra militares suspeitos de participação na depredação das sedes dos três Poderes no dia 8 de janeiro.
Outro percalço vem do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania: o ministro Silvio Almeida encaminhará a Lula uma minuta de decreto para recriar a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) na ditadura militar (1964-1985), que foi extinta no governo de Jair Bolsonaro, e é pauta indigesta para a caserna.
Embora ainda haja obstáculos a uma concertação entre ambos os lados, o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, disse que, durante esses cem dias, o governo “avançou muito no processo de pacificação do País e na despolitização das Forças Armadas”, em um movimento pela consolidação democrática. Múcio, que petistas tentaram afastar do cargo após os atos golpistas, é considerado peça-chave na relação do governo com os militares.
Houve avanços, mas o preço da pacificação será alto porque as feridas causadas pelos ataques de 8 de janeiro ainda estão abertas. No dia seguinte ao ocorrido, Lula e os demais chefes de Poderes articularam uma ostensiva reação institucional em defesa da democracia. O presidente reuniu no Palácio do Planalto, entre vidros estilhaçados e móveis destruídos, os representantes dos três Poderes, ministros, parlamentares, e quase todos os governadores.
Ao fim, Lula desceu a rampa do palácio de braços dados com a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, outros ministros da Corte, governadores e parlamentares a fim de simbolizar a união das instituições em defesa da democracia.
Em declarações nos dias que se sucederam aos ataques, Lula externou sua suspeita sobre os militares. Em um café com jornalistas, o presidente disse suspeitar da “conivência de muita gente da polícia militar e das forças armadas” na invasão ao Planalto. Em outra oportunidade, justificou a troca dos ajudantes de ordens militares por civis porque havia perdido a “confiança” nos auxiliares.
O estremecimento das relações começou a refluir no último mês, quando Lula fez sucessivos gestos de aproximação da caserna, e dará continuidade ao movimento, por orientação de Múcio. No dia 19 de abril, quando se comemora o Dia do Exército, Lula deve participar de almoço com integrantes do Alto Comando da força terrestre, a convite do comandante, general Tomás Miguel Ribeiro Paiva.
Uma semana depois, no dia 27, o presidente deverá acompanhar a inauguração da linha de produção dos caças Gripen na unidade da Embraer, em Gavião Peixoto (SP), ao lado do comandante da Aeronáutica, tenente-brigadeiro do ar Marcelo Kanitz Damasceno.
Com a Marinha, Lula já participou de duas agendas. No dia 15 de março, almoçou com os almirantes do Alto Comando da Força. Cerca de uma semana depois, no dia 23, visitou o Complexo Naval de Itaguaí, no Rio de Janeiro, base do Programa de Submarinos (Prosub), onde será fabricado o primeiro submarino brasileiro de propulsão nuclear.
Os dois programas – a compra dos caças e o Prosub – começaram nas gestões petistas. Lula diz nos bastidores que já fez muito pela indústria de defesa brasileira, mas que não tem o reconhecimento da cúpula das forças.
Os comandantes das três Forças têm atuado com reciprocidade aos esforços do presidente. No mesmo dia 15 de março, após o almoço dos almirantes com Lula, o comandante da Marinha, Marcos Sampaio Olsen, expediu ordem interna estipulando prazo de 90 dias para que militares da ativa se desfiliassem de partidos, sob risco de punição.
A Constituição proíbe que militares da ativa se filiem a partidos políticos, mas o cumprimento à regra não é fiscalizado. Após a iniciativa de Olsen, o Exército encaminhou aos integrantes da Força um comunicado nos mesmos termos da Marinha. Já a Aeronáutica emite orientações periódicas aos seus quadros nesse sentido.
Em paralelo, um tema quase consensual é a proposta de emenda constitucional (PEC) gestada no Ministério da Defesa, após consulta aos comandantes das três Forças, para afastar militares da política. O texto transfere para a reserva, demite ou licencia (no caso dos temporários), de ofício, o militar que registrar candidatura. Inspirada no general da reserva, agora deputado federal Eduardo Pazuello (PL-RJ), a proposta diz que, para assumir cargo de primeiro escalão (ministério), o militar deve ir para a reserva.