Um operador de esteiras que trabalhava no Aeroporto de Cumbica, em Guarulhos, na Grande São Paulo, foi assassinado após barrar malas com 60 quilos de cocaína com destino à Europa. O caso ocorreu no começo de 2020, pouco antes do início da pandemia. Um outro funcionário, acusado de ter “encomendado” a morte do operador, foi condenado a 33 anos de prisão.
O modus operandi usado no caso é similar ao adotado recentemente por uma quadrilha que, também em Guarulhos, trocou as malas de duas turistas de Goiânia (GO) por bagagens carregadas de drogas. Elas ficaram presas por um mês na Alemanha, mas foram soltas após a polícia brasileira comprovar que eram inocentes. O caso ligou o alerta sobre a atuação de células ligadas ao Primeiro Comando da Capital (PCC) no maior aeroporto do País.
Denúncia oferecida em março de 2020 pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) aponta que, ao exercer seu trabalho, o operador de esteiras Arisson Moreira Júnior, com 34 anos à época, frustrou os planos de uma organização criminosa que atuava no aeroporto. O PCC não é citado de forma explícita no documento, mas é apontado pela polícia como a principal facção a atuar por lá. O episódio ocorreu em 9 de janeiro daquele ano, que seria um dia qualquer na rotina de Arisson.
“A motivação do crime está diretamente ligada à postura do Arisson, da vítima, que impediu (o tráfico de drogas). Ele acabou sendo o entrave para que as malas chegassem ao destino pretendido”, disse ao Estadão a promotora de Justiça Vania Caceres, do MP-SP. Conforme a denúncia, obtida pela reportagem, Arisson interceptou duas malas em esteira do Terminal 2 ao notar que elas estavam com um etiqueta que apontava que o destino final era Porto Alegre, mas foram colocadas juntas com bagagens que iam para a Europa.
Ele retirou as malas da esteira para apurar o porquê de estarem ali. Nisso, outro operador de esteiras, Márcio Roberto Peres, com 56 anos, foi até o local e tentou “de todas as maneiras liberar a bagagem”, segundo a promotora. “Ele veio até com a foto das malas, trazia no celular a foto das malas que ele deveria pegar. Então ele fala que o supervisor mandou”, disse. “Mas o Arisson falou: ‘não, você não vai tirar a mala daqui’. Inclusive, em algum momento ele tenta pegar e o Arisson tira a mala dele. Quando viu que aquilo começou a fugir do normal, ele acionou a PF. E o Márcio sumiu.”
Vania diz que agentes da Polícia Federal foram até o local e uma perícia constatou que as malas continham, juntas, 60 kg de cocaína. O lucro estimado com o transporte da bagagem ultrapassaria milhões. “Era uma cifra absurda”, diz a promotora, sem especificar o valor. Os policiais apreenderam a bagagem e iniciaram uma investigação por tráfico de drogas a partir disso. Depois, descobriu-se que Márcio sequer estava escalado para trabalhar naquele dia, embora tivesse acesso livre ao local.
Dois dias depois, segundo a denúncia, Márcio encontrou com Arisson em um ponto de ônibus do aeroporto e os dois começaram a discutir por conta do ocorrido. Até que o operador que tentou liberar as bagagens à força disse à vítima: “você, eu já passei para os caras”, segundo depoimento de uma testemunha anônima que consta no documento.
“O Arisson ficou apavorado com aquilo, ele sabia do esquema do aeroporto. Há notícias nos autos inclusive que ele já tinha sido convidado a participar, e recusou. Então ficou transtornado”, disse a promotora Vania Caceres. Ele era funcionário de uma terceirizada do aeroporto.
No dia 13 de janeiro, pouco antes das 19h, Arisson foi executado a dois quarteirões de casa, também em Guarulhos, por três indivíduos fortemente armados com munições de calibre 9 mm. O grupo chegou em uma Ford Ranger, produto de furto e com placa adulterada, e “fechou” o carro da vítima. Ele tentou fugir correndo, mas foi alvejado pelos criminosos.
O homicídio foi investigado pelo Setor de Homicídios e Proteção à Pessoa (SHPP) de Guarulhos, em parceria com a PF. Os três envolvidos de forma direta no assassinato nunca foram identificados, mas houve avanços quanto à motivação do crime. “A partir dali a polícia começou a fechar que ele (Márcio) que indicou a vítima para a morte, então foi pedida a prisão dele, temporária primeiro e depois preventiva. Ele aguardou todo o processo preso”, disse Vania.
Após apresentação de denúncia do MP-SP, Márcio foi a júri e foi condenado, no ano passado, a 33 anos, 2 meses e 12 dias de prisão, em regime fechado. A decisão já transitou em julgado.